Os antigos egípcios não encaravam a arte pela própria arte. Todos – fossem eles arquitetos, escultores ou pintores – consideravam-se funcionários ou artesãos que produziam artefatos destinados a alguma função: religiosa, funerária ou de qualquer outro tipo. Toda a arte existente girava em torno dos deuses, do faraó e de sua corte. Quanto aos ofícios, havia oficinas de todas as espécies por toda parte. Os artífices trabalhavam o barro, a pedra, a madeira e os metais. Era obrigação do artista conhecer todos os atributos reais e divinos, bem como a mitologia e a liturgia, o que certamente não era tarefa fácil.
A principal característica da arquitetura dos templos egípcios era a sua monumentalidade. Tinham entradas grandiosas (os pilones ou pilonos), pátios abertos, salas com tetos suportados por colunas (salas hipostilas), um santuário envolto em penumbra, diversas capelas, uma das quais abrigava a barca do deus, depósitos, etc. Estátuas dos faraós, também monumentais, eram colocadas à frente dos pilonos. As produzidas no Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.). por exemplo, tinham alturas que variavam de 20 a 30 metros. Os famosos obeliscos monolíticos e mastros com bandeirolas também adornavam as fachadas dos templos. A ilustração acima mostra a sala hipostila do templo funerário de Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.), em Tebas. Na frente dela erguem-se quatro colossos, com nove metros de altura cada, que representam Osíris.
Na estatuária faraônica havia convenções rígidas a serem seguidas no que diz respeito às atitudes e vestimentas do retratado. A escultura de particulares podia apegar-se mais à realidade. O dono da casa era representado sentado ou em pé, às vezes rodeado pela família, em materiais como alabastro, granito, ébano ou madeira de acácia.
Quanto à pintura, manteve suas convenções praticamente inalteradas ao longo de milênios. Os elementos eram dispostos em faixas, não se usava gradações de luz e sombra e as cores eram bastante limitadas. A convenção religiosa impõe que a figura humana seja representada com o corpo de frente e a cabeça e os pés de perfil. Nos templos são representadas principalmente cenas da vida dos deuses e dos faraós; nos túmulos mostra-se a vida cotidiana e a vida de além-túmulo como se pretendia que fosse. Mestres corrigiam esboços feitos por aprendizes, como vemos nesse desenho inacabado ao lado, da época de Ramsés II. O rascunho em vermelho foi corrigido com a tinta preta. Tanto a escultura como a pintura tinham por função principal o embelezamento dos templos e só em raras oportunidades alcançaram o status de artes independentes.
A argila do rio Nilo fornecia matéria-prima para tijolos e vasilhames; o linho permitia a fiação e a tecelagem; o papiro gerava material para cordas, redes e para a escrita; a madeira virava embarcações, carros, móveis e portas; pedras duras eram usadas para vasos, estátuas, construção de templos e túmulos; pedras semi-preciosas como a turquesa e metais como o ouro, cujos processos de mineração eram bastante árduos, resultavam em belas peças de ourivesaria.
Havia dois tipos de artesãos. Uns tabalhavam em oficinas
nas propriedades rurais e nas aldeias produzindo tecidos grosseiros, vasilhames, tijolos, artigos de couro, pães, vinho, cerveja, etc. e atendendo a grande massa da população. Outros trabalhavam em oficinas pertencentes ao rei e aos templos, abastecendo os deuses, o rei-deus e sua corte com a produção de um artesanato de luxo, de alta especialização e de excepcional qualidade: ourivesaria, metalurgia, vasos de pedra dura ou de alabastro, faiança, móveis, tecidos finos, barcos, pintura, escultura, etc. Estes últimos artífices têm condições de vida mais favorável, já que trabalham junto a armazéns bem abastecidos, de onde recebem o pagamento em alimentos e vestuário. Nos dois casos havia um controle persistente exercido pelos faraós sobre as atividades artesanais.
Embora não haja certeza, é possível que as oficinas estivessem todas localizadas em uma mesma rua. Como diz Pierre Montet, observa-se que uma estátua de madeira e mesmo de pedra, é enriquecida com incrustações, que os carros, os móveis e as armas eram esculpidas em algumas das suas partes e adornadas com ouro e pedras preciosas, que um vaso de pedra podia ser engastado com ouro ou incrustado de turquesa e de lápis-lazúli. A conclusão a tirar é a de que ou o mesmo artífice possuía várias técnicas ou vários especialistas, trabalhando uns perto dos outros, se ocupavam, e tornavam a ocupar, do mesmo objecto até ao seu acabamento.
A despeito da perenidade da obra de arte egípcia, pouco sabemos sobre o destino dos artistas que as modelaram. Maurice Crouzet pergunta: Foram apreciados como o mereciam, socialmente considerados e materialmente recompensados pelas alegrias estéticas que dispensavam, bem como pela sobrevivência que garantiam aos seus poderosos clientes? O escriba que desprezava todos os ofícios diria que não. Em sua sátira ele escreveu: Nunca vi um escultor numa embaixada, nem um fundidor encarregado de qualquer missão; mas vi o ferreiro no seu trabalho: à goela do forno. Os seus dedos são como partes do crocodilo. Cheira pior que as ovas dos peixes! Entretanto Crouzet responde à sua própria indagação: Negá-lo de maneira absoluta seria excessivo, pois alguns chegaram à riqueza e à consideração, devidas, talvez, principalmente esta última, à sua excepcional mestria. Para algumas obras, mesmo, o próprio nome do autor nos foi transmitido. Mas tão boa sorte foi raríssima. Com maior freqüência, mesmo um excepcional talento e realizações maravilhosas não impedem o artista, que permanece sempre um artesão manual, de confundir-se no anonimato da massa.
Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.) diz em uma estela do seu apoio àqueles que executavam suas obras de arte: Escutai o que vos digo. Eis os bens que vós possuís. A realidade é conforme as minhas palavras. Sou eu, Ramsés, quem cria e faz viver as gerações. Alimentos e bebidas estão diante de vós, sem que nada mais haja para desejar... Melhoro a vossa situação para dizer que vós trabalhais para mim com amor, para mim que me fortaleço com os vossos votos. São-vos remetidas amplas provisões para os trabalhos, na esperança de que vivereis para os realizar... Existem celeiros para cereais para que eu não vos deixe passar um dia sem víveres. Cada um de vós é pago ao mês. Para vós enchi os armazéns de toda a sorte de coisas, pastéis, carne, bolos para vosso alimento, sandálias, vestuário, perfumes variados para ungir as vossas cabeças de dez em dez dias, para que vos vistais todo o ano, para que tenhais bom calçado nos pés todos os dias, para que não haja ninguém entre vós que passe a noite no temor da miséria. Nomeei homens de diversas categorias para vos alimentar mesmo nos anos de fome, homens dos pântanos para vos trazerem peixes e caça, outros homens como jardineiros, para pagamento das contas (do que vos é devido). Construí uma oficina de modelagem para fabrico de vasos onde a vossa água refrescará durante a estação da colheita. Para vós navegam, barcos de Sul a Norte. Sem parança navegam barcos para vós de Sul a Norte com cevada, amido, trigo, sal e favas. Fiz tudo isto dizendo: "Enquanto vós existirdes sois como um único coração a trabalhar para mim."
De modo geral parece que o público não era ingrato com os artistas que o servia, pagando-os e agradecendo-lhes na medida do possível. Alguns dos artífices parecem ter sido homens ricos e afamados, chegando a ostentar títulos de nobreza. Sabe-se ainda que havia artistas proprietários de sua própria oficina e que se sustentavam com aquilo que produziam.
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