O Egito com sua situação geográfica, isto é, rodeado a leste e a oeste pelos desertos, favorecia o desenvolvimento de uma nacionalidade. O norte, por sua vez, era fechado pelo mar e no sul as fronteiras eram muito bem protegidas, tanto pelo deserto quanto pelas corredeiras do Nilo. O resultado dessa situação foi que até o início da XV dinastia (c. 1640 a.C.) o país jamais foi invadido à força por inimigos. Manteve-se, portanto, um relativo estado de paz, desconhecido nas outras partes do mundo, e a civilização egípcia conseguiu desenvolver-se em um cenário favorável quanto a esse aspecto.
Isso não significa que não houvessem influências externas, imigrações e até risco de invasões. Já no início do Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) os nômades semitas, na busca de ricas pastagens, penetraram na parte oriental do delta e se infiltraram entre a população sedentária local. Parte destes imigrantes passaram a trabalhar como agricultores, soldados ou artesãos, mas a grande maioria representava uma constante ameaça. O faraó Amenemhet I (1991 a 1962 a.C.) viu-se obrigado a reforçar a segurança da fronteira regional erigindo uma fortificação denominada o muro do príncipe. Com o passar dos séculos o Egito se mostrou incapaz de conter a pressão cada vez mais forte dos nômades. Em vagas cada vez maiores eles foram se sedentarizando no delta oriental do Nilo. A tomada de Mênfis pelos hicsos marcou o ápice desse processo e significou o início de um domínio estrangeiro que durou 108 anos (c. 1640 a 1532 a.C.).
Os faraós do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) presenciaram a introdução do carro puxado a cavalo no Mediterrâneo oriental. O fato revolucionou o mundo daquele tempo tanto quanto o carro a motor afetou a época atual, na comparação do escritor Cyril Aldred, e os reis egípcios também foram atingidos. Os faraós, reis divinos e sacerdotais que eram, travestiram-se agora de guerreiros. Passaram a frequentar os campos de batalha à frente de exércitos profissionais, encarnando Montu, um deus da guerra tebano muito antigo, anterior a Amon e já citado nos Textos das Pirâmides. Ao garbo tradicional da realeza divina, acrescentaram uma nova coroa, um capacete de guerra conhecido como Coroa Azul, e trocaram a antiga clava por uma moderna cimitarra, que chegou a transformar-se num cetro como o bastão ou o chicote. A figura que ilustra o topo desta página, por exemplo, mostra Tutankhamon (c. 1333 a 1323 a.C.) subjugando inimigos, que caem atabalhoadamente diante da força do braço do faraó. Montado em seu carro de guerra e usando a Coroa Azul, ele atira em uma massa desordenada de asiáticos, os quais são identificados por suas barbas cerradas, suas vestes de mangas compridas e seus escudos retangulares. Sem dúvida essa é uma cena mais fantástica do que real.
Como os heróis da Ilíada, os faraós se jactavam das couraças que haviam arrancado de seus inimigos vencidos — escreve Cyril Aldred. Acima de tudo, tinham prazer em mostrar a si mesmos como vangloriosos campeões homéricos montados num carro e arremetendo contra as tropas inimigas ou contra hordas de animais selvagens; ao mesmo tempo, suas proezas como atletas, arqueiros ou esportistas eram exaltadas como verdadeiramente sobre-humanas. Em particular Amenófis II (c. 1427 a 1401 a.C.), numa estela encontrada próximo da Grande Esfinge de Gizé, é fastidiosamente louvado por suas façanhas esportivas e militares. Um tal herói divino tinha que ter um memorial que não apenas sustentasse seu culto mortuário, mas também deixasse algum registro dos seus grandes feitos para a posteridade.
Depois de sua expulsão, os hicsos foram perseguidos até a Palestina e a Síria. O império egípcio começava a se expandir e no início da XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.) os príncipes das cidades sírias aceitaram o domínio egípcio. Durante o reinado de Amenófis I (c. 1525 a 1504 a.C.) formou-se, no norte da Síria, o reino de Mitanni, cujas pretensões imperialistas deram origem a novos conflitos. No reinado de Tutmósis III (c. 1479 a 1425 a.C.) ocorreu o confronto decisivo com os príncipes sírios aliados ao Mitanni. Sob o comando do principe de Kadesh, 330 pequenos reis que haviam se posicionado contra o Egito se reuniram com suas tropas diante de Megido para se oporem ao exército do faraó que se aproximava. Este, entretanto, obteve sucesso em encurralar os príncipes sírios no interior da cidade, a qual foi cercada e assediada durante sete meses. A luta se encerrou com um tratado no qual os adversários do Egito afirmavam: Nós não queremos mais nos rebelar, durante toda a nossa vida, contra Menkheperre (Tutmósis III), nosso bom senhor. Que candura! Os príncipes permaneceram à testa de suas cidades, governando sob constante vigilância de comissários e guarnições egípcias, mas tiveram que entregar as armas e os carros de combate. A partir desse momento, Tutmósis III não mais teve que fazer frente a uma coalizão asiática.
Uma prática estabelecida por aquele faraó reuniu as vantagens de proporcionar reféns e de "egipcianizar" os futuros príncipes estrangeiros, tendo contribuido em muito para a diminuição da resistência contra o Egito. Os anais esclarecem:
Agora os filhos dos príncipes e seus irmãos foram levados ao Egito como reféns. Depois, quando morria algum príncipe, Sua Majestade tinha por costume fazer com que seu filho o substituisse no posto. Lista dos filhos de príncipes levados este ano: trinta e seis homens.
Dessa maneira, — nos esclarece o egiptólogo americano John A. Wilson — ainda que os príncipes fossem confirmados em seus governos, davam reféns importantes em garantia de sua boa conduta e seus herdeiros se educavam no Egito, com o que chegavam a sentir-se mais em sua pátria na capital egípcia do que em suas próprias cidades. O sistema parece ter dado bons resultados para o Egito, a julgar pela constante lealdade — quase fanática — de alguns daqueles príncipes asiáticos durante o período de desordens de Amarna.
No 33º ano de seu reinado, Tutmósis III realizou sua oitava expedição contra o Mitanni, reino que, embora se situasse a leste do Eufrates, tinha ambições sobre o território a oeste daquele rio. A expansão do império egípcio para aquela área tornou o conflito inevitável. Era uma situação delicada para o faraó, pois teria que empreender um ataque contra um inimigo situado do outro lado de um rio. Ele mandou construir, nas proximidades de Biblos, muitos barcos de cedro que foram colocados em carros arrastados por vacas e levados até às margens do Eufrates. Lá chegando perseguiu o inimigo pelo rio e, embora não o tenha capturado, afirma que assolou o país inimigo que foi abandonado por seu rei que fugiu de medo. Terminada a luta, erigiu uma estela triunfal na margem oriental do Eufrates, na qual noticia a invasão, e, ao retornar, apoderou-se da cidade de Kadesh. Essa vitoriosa expedição aumentou grandemente seu prestígio, o que levou a Babilônia, o reino de Assur e os hititas a enviarem emissários e a reconhecerem a supremacia egípcia na Síria.
Estrategistas que eram, os faraós desse período faziam suas campanhas militares numa época crítica do ano. No Egito a colheita dos grãos era feita no começo da primavera e logo após o exército faraônico se deslocava para a Ásia. Quando lá chegava, as colheitas estavam amadurecendo e o inimigo era surpreendido no momento em que fazia a sua colheita. Um informe de uma campanha realizada na Fenícia revela:
As hortas estavam cheias de frutos. Os vinhos já estavam em suas tinas, abundantes como água, e os grãos estavam nas eiras de debulhar, sobre a terra. Era mais abundante do que as areias da praia. O exército transbordava de riquezas... Porque o exército de Sua Majestade se embriagava e se untava de azeite todos os dias, como quando há festa no Egito.
Com o transcurso do tempo — escreveu John A. Wilson — e ao firmar-se a tradição da cólera fulminante do faraó, o Império asiático podia ser dominado por pequenas guarnições espalhadas por algumas cidades. É quase incrível que piquetes de cinco a vinte e cinco soldados egípcios bastassem para manter calmas as cidades. Por trás da pequena guarnição estava o grande poder do exército faraônico, de modo que um punhado de soldados podia atuar como polícia local e como serviço de informação e espionagem. Até que as forças assoladoras do período de Amarna destrossassem o Império, estas pequenas guarnições foram suficientes.
Com relação a Amenófis II existem relatos de três campanhas militares na Síria. É provavelmente desta época um tratado de paz com o Mitanni ao qual o faraó faz referência em uma inscrição existente em Karnak:
Vieram até ele os soberanos do Mitanni, com seus tributos às costas, para implorar a clemência de Sua Majestade e também seu agradável sopro de vida. É um feito heróico, do qual nunca se ouviu falar desde o tempo dos homens e nem dos deuses: estes países estrangeiros, que o Egito não conhecia, suplicando ao bom deus.
Esse faraó, grande desportista que era, também era um grande e desapiedado guerreiro. Ele mesmo nos conta que matou sete príncipes asiáticos com sua própria clava e depois pendurou os corpos nas muralhas da cidade. Certa feita, quando seu exército atravessava o Orontes, estando ele na retaguarda, foi atacado pelos asiáticos e, segundo ele, derrotou-os sozinho e capturou oito homens sendo que nem um só homem estava com Sua Majestade, mas somente ele com seu valente braço. Em outra ocasião dirigiu-se a um povoado sírio sozinho, sem um único acompanhante. Regressou de lá em pouco tempo com 16 guerreiros vivos, nos dois lados de seu carro, 20 mãos cortadas pendentes das cabeças dos cavalos e 60 vacas diante dele. A população se rendeu a Sua Majestade. Numa terceira oportunidade, num gesto altamente temerário, montou guarda pessoalmente durante toda a noite a mais de 300 prisioneiros asiáticos. O texto narra:
Depois de ver Sua Majestade o abundante despojo que haviam feito em prisioneiros vivos, abriram-se duas trincheiras ao redor deles. Depois, encheram-nas de fogo e Sua Majestade os vigiou até que se fez dia, com sua acha de combate na mão direita, só, sem nenhum homem com ele, enquanto o exército permanecia distante, fora do alcance da voz do faraó.
Era valentia pura e desnecessária — comenta John A. Wilson sobre essa passagem —, de caráter espetacular muito adequado para ser divulgado amplamente a fim de impressionar aos homens com a inutilidade de pretender resistir a um guerreiro tão sobre-humano.
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Ramsés II (c. 1290 a 1224 a. C.) foi outro faraó que cantou seus feitos guerreiros. Em seus templos exaltou suas façanhas no decorrer da batalha de Kadesh, embora essa luta, de resultado indeciso, só tenha tido sabor de vitória porque o rei dela escapou com vida. Ele registrou o fato em muitos relevos, não apenas em seu templo funerário em Tebas, mas também em Luxor, Carnaque, Abido e Abu Simbel.
A Ramsés III (c. 1194 a 1163 a.C.) coube a tarefa de rechaçar das fronteiras do Egito as invasões dos líbios e de confederações de migrantes conhecidos como Povos do Mar, cujas incursões na Ásia Menor, nas ilhas do mar Egeu e nas costas do norte da África destruíram as velhas culturas do Mediterrâneo oriental. Esses grandes feitos estão representados nas paredes do templo mortuário de Medinet Habu. As derrotas das duas ordas de líbios estão datadas do quinto e do décimo primeiro ano do reinado daquele faraó e o embate com os Povos do Mar, do oitavo ano. Estes últimos são mostrados em seus navios característicos em um grande embate naval na desembocadura do Nilo, a primeira representação da história de uma batalha desse tipo.
No que diz respeito às fronteiras do sul do país, o Egito também se via obrigado a realizar periódicas incursões militares até a Núbia. Fortalezas colossais e postos comerciais erigidos na fronteira durante o Império Médio e todo o Império Novo demonstram o interesse egípcio pelo território vizinho. Após a expulsão dos hicsos, Amenófis I consolidou o domínio egípcio no sul e estabeleceu uma administração específica para a Núbia que ficava a cargo dos filhos reais. Tutmósis I (c. 1504 a 1492 a.C.) avançou até o sul da terceira catarata e chegou até mesmo além da quarta. Sob Tutmósis III foi fundada a cidade de Napata. Diversas edificações e templos foram erigidos nos reinados de Amenófis III (c. 1391 a 1353 a.C.) e Ramsés II, o qual construiu sobretudo vários templos rupestres como, por exemplo, os dois santuários de Abu Simbel. O domínio egípcio sobre a Núbia terminou com a XX dinastia (c. 1196 a 1070 a.C.).
Prisioneiros de guerra aparecem muitas vezes retratados em cenas nas quais o faraó massacra seus inimigos. Isso, entretanto, é mais uma expressão simbólica do triunfo do rei sobre as forças do caos e o restabelecimento da ordem do que uma realidade. Na verdade, no antigo Egito os prisioneiros de guerra sempre exerceram importante papel como mão-de-obra. O desenvolvimento do Estado e o aumento da burocracia administrativa, as construções monumentais e a colonização do país criaram uma necessidade de mão-de-obra que não podia ser satisfeita e que se transformou, no início do Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.), num problema considerável. Desde cedo surgiu, então, a idéia de se empregar como mão-de-obra os prisioneiros das campanhas militares na Núbia e até mesmo de se organizar razias com objetivo específico de capturar mão-de-obra complementar. Na ilustração acima, do templo de Abu Simbel, estão representados negros e asiáticos prisioneiros de Ramsés II. Na foto abaixo, de um relevo do templo do mesmo faraó em Abido, prisioneiros são mostrados acima dos nomes das respectivas localidades capturadas.
Os anais do reinado do faraó Snefru (c. 2575 a 2551 a.C.) falam da captura de 7000 prisioneiros da Núbia, enquanto que uma inscrição da IV dinastia (c. 2575 a 2465 a.C.) se refere à captura de 17000 núbios. Mais adiante, no Império Médio e, principalmente, no Império Novo, a produtividade da economia egípcia foi mantida graças ao emprego dos prisioneiros de guerra. No nono ano do reinado de Amenófis II (c. 1419 a.C.), foram feitos pelo menos 90 mil cativos, entre os quais estavam incluídos 127 príncipes asiáticos. Esse elevado total de pessoas significa que as atividades egípcias podiam empregar todo esse contingente e, na medida em que o império crescia, já se estabelecia que o exército deveria conseguir turbas de prisioneiros.
E no que trabalhavam tais prisioneiros? O professor de egiptologia da Universidade de Constança, Wilfried Seipel, nos dá a resposta: Estavam distribuídos entre as administrações do Estado e dos templos, as oficinas dos empreendimentos artesanais, mas também entre os altos funcionários e os soldados. Como no Império Novo o desenvolvimento do exército egípcio tornou-se uma necessidade da política externa, numerosos piratas e líbios capturados foram engajados nas unidades militares. As vitórias militares egípcias no decorrer do Império Novo levaram milhares de cativos ao país. Eles estavam dispostos a pegar em armas contra seus próprios irmãos de raça porque em troca conseguiriam ricos butins e a possibilidade de rápida ascenção social. Com o passar do tempo havia cada vez mais estrangeiros servindo no exército, ou desempenhando cargos no serviço civil e nas grandes propriedades, pois fazendo-se indispensáveis poderiam tornar-se poderosos. Certas profissões são geralmente exercidas por estrangeiros: os pastores são principalmente líbios, os construtores e os capitães de navios são de origem asiática e como soldados são sobretudo os núbios e os líbios que se alistam. Na corte real em particular notamos a preponderância de serviçais estrangeiros, completa Seipel.
O mesmo autor esclarece que no Império Antigo havia uma integração relativamente rápida dos prisioneiros núbios, os quais adquiriam gradualmente a situação de trabalhadores estrangeiros ou imigrantes. O mesmo não ocorreu no Império Médio. Nessa época os asiáticos que substituíram os núbios foram integrados muito lentamente e como homens "não livres" ocupavam posição social nitidamente inferior. Sabemos que a partir do Império Novo os prisioneiros de guerra, em certos casos, eram marcados com um sinete de propriedade com ferro em brasa, caracterizando-os como "escravos". Mas ao mesmo tempo que isso ocorria, e sobretudo na XVIII (c. 1550 a 1307 a.C.) e XIX dinastia (c. 1307 a 1196 a.C.), procurava-se fortemente manter a identidade nacional do trabalhador imigrante e compreender sua língua.
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