![]() ![]() Os conflitos armados do Segundo Período Intermediário (c. 1640 a 1550 a.C.) e do princípio do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) apressaram a formação de uma hierarquia militar rigorosa em cujo comando havia um general em chefe, abaixo do qual estavam, pela ordem, os generais, os escribas e os responsáveis pelas tropas. O superintendente dos cavalos, ou seja, dos carros de guerra, também ocupava posição bastante elevada. Houve um avanço sem precedentes no desenvolvimento da estratégia, da tática, do armamento e da organização militar. Surgiram os carros de guerra e a infantaria se estruturou em companhias de cerca de 250 homens. O profissionalismo dos oficiais começou a repercutir e eles e o exército como um todo passaram a exercer importante papel na política interna. A filosofia expansionista do Egito a partir do Império Novo fez crescer ainda mais a importância dos militares na história do país. Entretanto, os jovens das camadas inferiores da população, de temperamento bastante passivo, não tinham interesse em seguir a carreira militar. Ao longo dos séculos, a qualidade do soldado de origem egípcia parece ter sido medíocre e os faraós viram-se obrigados a utilizar mercenários estrangeiros para compor os quadros dos seus exércitos. A população autóctone não admirava esse soldado e, sentindo por ele medo e até desprezo, procurava manter-se afastada de seu convívio. Na tumba de um príncipe local de Assiut, datada da XI dinastia (c. 2040 a 1991 a.C.), os arqueólogos encontraram miniaturas em madeira representando soldados. São dois grupos, cada um com 40 guerreiros egípcios e núbios lado a lado. Estes últimos são mostrados com arcos. Eles marcham em dez fileiras de quatro homens, olhando firme em frente, levando o arco na mão esquerda e quatro flechas com pontas de sílex, na direita. A partir da XIX dinastia (c. 1307 a 1196 a.C.) as diversas unidades do exército eram formadas, em sua grande maioria, por soldados estrangeiros: núbios, hititas, líbios e de outras origens. Eles passaram a desempenhar um papel considerável, sobretudo no Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.). Não temos informações suficientes sobre os efetivos e a divisão do exército em unidades. Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.), por exemplo, conduziu um exército distribuído em quatro divisões portadoras dos nomes dos deuses Rá, Ptah, Seth e Amon. O rei mantinha os mercenários concedendo-lhes lotes de terra de onde pudessem tirar o sustento de suas famílias. O historiador Heródoto relata que no decorrer da XXVI dinastia (c. 664 a 525 a.C.) o número de tais mercenários teria atingido 410 mil, sendo que cada um recebia cerca de 3 hectares de campos na região do Delta. Além disso, 2 mil desses homens eram escolhidos para servirem como guardas do faraó, recebendo para isso uma quantidade adicional de terras e abundantes rações diárias de pão, carne e vinho. Isso não significa que fossem todos estrangeiros, mas sim que a grande maioria tinha antepassados de origem não egípcia. Embora as terras oferecidas aos mercenários continuassem a pertencer ao rei e ele as pudesse retomar quando quissesse como, por exemplo, quando seu titular não mais estivesse engajado no exército, na prática o que ocorria, como explica o historiador Maurice Crouzet, é que desde que o filho sucedesse ao pai como soldado, ao mesmo tempo que como detentor da posse da terra, a família conservava o seu lote e o exército substituía sem esforço um homem desaparecido, inválido ou que tivesse ultrapassado o limite da idade. Deste modo, o estrangeiro, uma vez estabelecido no Egito, aí lançava raízes. Seus descendentes egipcianizavam-se mais ou menos rapidamente, e distingui-los dos egípcios autênticos — que existiam também no exército e que se beneficiavam do mesmo regime — tornava-se impossível. Constituía-se uma casta hereditária de "guerreiros", assinalada pelos autores gregos. Na carreira militar não era usual que o soldado de categoria mais humilde pudesse elevar-se a postos de comando. Para tanto era necessário ao jovem ser originário de uma família que já tivesse um certo prestígio social, o que lhe possibilitaria frequentar escolas preparatórias à vida da caserna. Assim, as classes abastadas da população nativa normalmente forneciam aos faraós pelo menos uma parte dos quadros do exército e da marinha e — diz Crouzet — os oficiais saíram, em número suficiente, de famílias que já estavam a serviço do rei, no exército ou na administração. Numerosíssimas inscrições funerárias, sempre elogiosas, naturalmente, relembram feitos de armas, atos de bravura e devotamento. Sem dúvida a carreira militar, como aliás qualquer outra, apresentava o seu lado negativo. Na escola militar superiores enérgicos não vacilavam em usar o bastão para impor disciplina. Depois havia as fadigas das marchas forçadas, os acidentes nas estradas, os ferimentos ou até mesmo a morte. Em contrapartida havia recompensas de toda a espécie: honoríficas, presentes do faraó, partilha do espólio material e humano, condecorações sob a forma de colares e braceletes, promoções mais ou menos rápidas. Além disso, quando se tornava necessário abandonar a atividade militar, havia a possibilidade do ingresso nas carreiras civis ou o recebimento definitivo de excelentes domínios territoriais. |