Na ilustração à esquerda vemos Baal, um deus adorado pelos hicsos; abaixo, a coroa de uma princesa desse povo.
De improviso, estrangeiros de uma raça desconhecida, vindos do oriente, invadiram nosso país — foi assim que Manetho, sacerdote egípcio que escreveu uma história do Egito no início do século III a.C., se referiu aos hicsos, homens bronzeados de espessa barba negra. Ele diz ainda que Apophis (c. 1585 a 1542 a.C.) reinava em Avaris e o país inteiro lhe pagava tributos. Está provado que os soberanos estrangeiros assumiram o poder no Egito por volta de 1640 a.C. Considerando-se a situação política do país naquela época, essa façanha audaciosa não deve ter sido muito difícil. Contando com um número suficiente de guerreiros bem equipados e, provavelmente, já utilizando carros de combate puxados por cavalos e ocupados por arqueiros, seria possível a um comandante militar competente penetrar a qualquer momento no país a partir do delta oriental do Nilo e marchar em direção a Mênfis, apoderando-se das insígnias da realeza.
O Papiro Real de Turim designa os reis da XV dinastia (c. 1640 a 1532 a.C.) por seus títulos reais egípcios, mas também como héqa khasout. Esse termo significa rei dos países estrangeiros e dele se derivou o termo grego hyksos da tradição posterior. Tal terminologia os egípcios já utilizavam antes da invasão dos hicsos para denominar os chefes das tribos da Ásia Anterior. Além de usarem os carros, prática que os egípcios ignoravam, e os cavalos, animais que os egípcios raramente tinham visto, embora os burros fossem abundantes no Egito, suas armas de bronze eram melhores e mais facilmente manejáveis do que as empregadas no vale do Nilo. Embora sendo guerreiros fogosos, bem armados e bem vestidos, os invasores não eram selvagens e tinham um código moral bem evoluído e um sentimento de honra bastante elevado.
Os hicsos já vinham se infiltrando e se estabelecendo no Egito há muito tempo. Eram os mesmos que haviam penetrado a leste do delta do Nilo no final da XI dinastia (c. 1991 a.C.), três séculos e meio antes, e que haviam sido expulsos por Amenemhet I (1991 a 1962 a.C.) no começo da XII dinastia. Mas agora retornavam com mais força, concentrando-se em Avaris. Pertenciam a diversas raças. Alguns eram sírios, outros beduínos árabes e a maior parte havia vivido durante séculos no limite meridional da Palestina e a leste do delta egípcio. É provável que alguns dentre eles tenham sido os ancestrais da nação judia. Muitos de seus chefes eram xeques de tribos do deserto, como o foram Abraão e Jacob, proprietários de grandes rebanhos de carneiros e de gado que chegaram até o Egito em busca de pastagens. As descobertas arqueológicas demonstram que um pouco mais tarde, durante a XIII dinastia (c. 1783 até depois de 1640 a.C.), um grande número de asiáticos entrou no Egito e se estabeleceu às margens do delta oriental até as proximidades de Heliópolis. Ali eles conservaram perfeitamente sua identidade cultural. Foi dentre essa população que os comandantes recrutaram seus soldados.
Os soberanos hicsos da XV dinastia se mostravam egipcianizados, ou seja, procuraram absorver os usos e costumes egípcios. Eles usurparam monumentos que encontraram ao chegarem, gravando neles seus nomes, uma prática também adotada pelos verdadeiros faraós egípcios. Mostraram, também, uma grande predileção pelos escaravelhos, ou seja, essas pequenas peças de pedra na forma do inseto que serviam como selos e como amuletos. Formaram seus nomes reais seguindo a sistemática egípcia e, ao contrário do que Hatshepsut (c. 1473 a 1458 a.C.) afirmou quando mais tarde procurou difamar os soberanos estrangeiros, de nenhuma maneira menosprezaram o nome divino de Rá. A tomada do poder pelos estrangeiros quase nada mudou na vida do povo, já acostumado a pagar tributos aos faraós, aos templos e à administração. Se considerarmos que nessa época cessaram as grandes obras arquitetônicas e diminuiram as expedições em busca de ouro e pedras preciosas, aqueles que participavam de tais atividades a contra gosto provavelmente se sentiram melhor naquele momento do que na era de prosperidade anterior.
Após a submissão oficial do Egito, selada com o coroamento do hicso Salitis em Mênfis, nada mudou muito na administração do país. As verdadeiras cidades-Estado do Baixo Egito, governadas por mandatários locais, permaneceram na mesma situação. Os responsáveis eram agora em grande parte asiáticos que tinham a confiança do poder central. Esse conjunto de reizinhos formou a XVI dinastia que governou paralelamente com a XV. Como a esfera de influência dos hicsos se estendia até o sul da Palestina, eles não estabeleceram a capital em Mênfis, mas preferiram a cidade de Avaris, muito bem situada do ponto de vista estratégico entre o Egito e o istmo de Suez.
Enquanto isso, um território relativamente grande, entre Cusae ao norte e Elefantina ao sul, era administrado por príncipes tebanos, os quais, em última análise, eram os sucessores da XIII dinastia que haviam sido encurralados na direção do sul. Eles formaram a XVII dinastia (c. 1640 a 1550 a.C.). Surpreendentemente toda uma linhagem desses príncipes, ligados por laços de parentesco ou através de matrimônios às famílias dirigentes do Alto Egito, conseguiram manter o poder em Tebas, embora também tivessem que pagar tributos aos invasores. Após mais ou menos um século de domínio hicso, esta XVII dinastia tebana suscitou um movimento de revolta contra os reis de Avaris que, embora bem adaptados, não passavam de estrangeiros.
O faraó Kamósis (c. 1555 a 1550 a.C.) rebelou-se definitivamente contra a situação que dividia o Egito entre ele e o rei hicso Apophis, ao qual tinha que pagar tributos. Ele deve ter empurrado o inimigo para o norte, até o delta nilótico. Entretanto, a praça bem fortificada de Avaris, habilmente construída perto de um braço do Nilo em seu delta, não foi conquistada. A morte prematura de Kamósis teve por conseqüência a subida ao trono de seu irmão mais moço, Nebpehtire Amósis (c. 1550 a 1525 a.C.), que acabou por finalmente expulsar completamente os hicsos do Egito, ainda que isso lhe tenha consumido cerca de dez anos. Por ter unificado novamente o país, Manetho colocou-o como iniciador de uma nova dinastia, a XVIII (c. 1550 a 1307 a.C.), que principiou uma nova era, o Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.).
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