Os assim chamados textos das pirâmides são uma coleção de encantamentos reunidos sem uma ordem fixa determinada, não formando, portanto, uma narrativa contínua. Eles foram encontrados nas pirâmides dos seguintes faraós: Wenis, da V dinastia; Teti, Pepi I, Merenre e Pepi II, todos da VI dinastia; Ibi, da VIII dinastia e nas pirâmides de três rainhas do faraó Pepi II. A maioria das inscrições ocorre em mais de uma pirâmide, mas poucas são repetidas em todas as pirâmides nas quais tais textos são encontrados. Na pirâmide de Wenis, por exemplo, existem apenas 228 inscrições de um total já conhecido que excede setecentas.
Assegurar para o faraó ou para a rainha uma vida feliz no além-túmulo, era o objetivo pretendido pelos textos das pirâmides. Os egípcios acreditavam que a palavra escrita tinha um poderio mágico capaz de fazer com que a sua simples presença fosse suficiente para tornar realidade o pensamento que ela expressava. Acreditavam também que a palavra falada possuia o mesmo poderio, desde que proferida por um indivíduo devidamente qualificado. Nesse caso, entretanto, ficava-se na dependência da boa vontade ou da diligência de outras pessoas.
Os Textos das Pirâmides, considerados o mas antigo conjunto de escritos religiosos do mundo, são constituídos por 759 fórmulas mágicas, hinos, rituais e listas de oferendas mescladas com histórias mitológicas. Os faraós aspiravam juntar-se às indestrutíveis, nome dado às estrelas circumpolares que nunca desaparecem do horizonte. Para alcançar tal intento eles tinham que usar magia e esses textos os ajudavam a encontrar a fórmula correta. Algumas dessas fórmulas deveriam, além disso, ser lidas nos funerais dos reis. Nenhuma pirâmide contém o conjunto completo dos 2291 parágrafos que formam os Textos das Pirâmides.
Um dos textos, que em geral vinha escrito na parede norte da câmara mortuária, reproduz as palavras que os sacerdotes recitavam diariamente quando depositavam oferendas no altar localizado diante da falsa-porta. Colocando o ritual sob a forma escrita e mantendo alimentos estocados nos armazéns, o rei acreditava não correr o risco de passar sede e fome após a morte, ainda que os sacerdotes fossem negligentes em seus deveres cotidianos.
Muitos dos textos descrevem a viagem do faraó com destino ao mundo situado no céu além do horizonte oriental e suas atividades ao chegar lá. Embora o rei pudesse contar com alguma ajuda dos deuses nessa jornada, o fato de estar armado com o mágico poder das palavras lhe assegurava sair-se vitorioso dos vários obstáculos. Além disso, com a ajuda dos textos assegurava a sua associação com o deus-Sol em sua viagem diária através do céu. Coleções de hinos em louvor aos deuses e de preces em favor do rei morto também fazem parte da coletânea de textos.
Nesses antigos e misteriosos escritos, grande parte das sentenças são mágicas. Recitá-las colocaria a alma do faraó em situação de se defender no além-túmulo e de afirmar seus direitos. Existem também algumas passagens dramáticas consagradas à imortalidade do rei, representado unido ao deus-Sol, do qual ele era na terra o filho e representante. Um dos textos afirma categórico:
O rei não está morto, ele se tornou um ser que, como o sol da manhã, se eleva a leste atrás do horizonte. Ele repousa da vida a oeste, como o sol ao se deitar, mas a aurora o reencontrará a leste. Disseste que ele morreu? Não, ele não morre. Ele é o sol, ele vive eternamente. Oh sublime entre as estrelas imperecíveis, tu não perecerás. Os homens tombam e seus nomes desaparecem, mas Rá toma o rei pela mão e o conduz para o céu a fim de que ele não morra sobre a terra entre os homens.
Este rei foi para longe de vós, oh mortais. Ele não é mais da terra, mas sim do céu. Como uma nuvem, ele voa em direção ao céu; ele se eleva ao céu como o gavião e suas plumas são similares às do ganso selvagem. Ele se lança para o céu como uma cegonha, ele beija o céu como um falcão, ele salta em direção ao céu como uma rã. Ele sobe em direção aos céus. Ele sobe em direção aos céus sobre o vento, sobre o vento. As nuvens do céu estão carregadas dele, ele sobe numa nuvem de chuva.
Ele é uma chama que se eleva nas asas do vento em direção aos confins do firmamento. As escadas do céu descem diante dele para que ele possa subir. Oh deus, sustentai o rei em vossos braços! elevai-o, levantai-o em direção ao céu. Em direção ao céu! Em direção ao céu! Em direção ao grande trono de Rá no meio dos deuses. Os portões do céu se abrem, os portões do céu se escancaram. Oh Rá, teu filho veio a ti. Apertai-o contra o peito, estreitai-o em teus braços! Oh Rei, oh Purríssimo, toma teu lugar na barca do sol e navega pelo céu! Navega com as estrelas imperecíveis, navega com os astros que não se cansam jamais!
Embora o mais antigo conjunto de textos das pirâmides encontrado pelos arqueólogos esteja datado do final da V dinastia (c. de 2350 a.C.), já que foram descobertos na câmara e antecâmara da pirâmide de Wenis (c. 2356 a 2323 a.C.), ultimo faraó daquele período, acredita-se que sua origem seja muito mais velha. Prova disso está no fato deles conterem alusões a costumes funerários já não mais praticados nos tempos do faraó Wenis e de seus sucessores. Por exemplo, trecho de uma das inscrições diz: Afaste a areia da sua face, o que pode apenas referir-se às práticas funerárias da era pré-dinástica, quando o rei era enterrado em uma sepultura cavada na areia. Outro trecho que relembra costumes ainda mais primitivos descreve o rei falecido como um caçador que captura e devora os deuses para se apropriar das qualidades divinas e incorporá-las a si próprio.
Por outro lado, muitos dos textos referem-se expressamente às
pirâmides e, portanto, não podem ter sido escritos antes da III dinastia. Eis um exemplo: Eles [os deuses] é que farão com que esse trabalho dure e que essa pirâmide permaneça. Parece certo, em virtude de constantes referências ao culto solar, que a compilação de tais textos foi executada pelos sacerdotes de Heliópolis, provavelmente durante a V dinastia. Ao compilar, os sacerdotes devem ter reunido os antigos encantamentos funerários e religiosos com outros mais recentes para atender às necessidades da época. A ilustração acima mostra um detalhe dos textos gravados na pirâmide de Wenis.
Embora os textos das pirâmides se destinassem a ajudar o rei morto — adverte I.E.S.Edwards —, a presença deles em sua tumba introduzia um novo complicador de uma espécie muito séria. Sendo escritos em hieróglifos, eles incluem muitas imagens de criaturas vivas. Tais imagens não apenas possuem o valor de um sinal hieroglífico particular, mas também, através do poder da magia, tornam-se a real corporificação da criatura que elas representam. O leão, por exemplo, era simultaneamente tanto um fonograma com o valor de ru quanto o animal vivo em si mesmo, dotado de todos os seus atributos. Imagens de seres humanos, que formam alguns dos sinais hieroglíficos mais comuns, da mesma forma preenchem uma dupla função. Para superar os perigos ao rei morto que poderiam resultar da presença de uma multidão de criaturas potencialmente hostis e destrutivas em sua vizinhança próxima, os sacerdotes e escultores egípcios recorreram a uma série de diferentes artifícios. Algumas vezes os sinais perigosos eram omitidos ou substituídos por sinais que representavam objetos inanimados que possuiam o mesmo valor hieroglífico. Seres humanos eram privados de suas pernas e corpos, de forma que se constituiam de cabeças e braços apenas. Animais podiam ser tornados inofensivos pelo simples expediente de terem seus corpos mutilados e esculpidos em duas metades separadas. Serpentes eram representadas intactas, mas o escorpião era desprovido de sua cauda. Uma criatura que, como única exceção, jamais tem permissão de aparecer nas paredes da câmara funerária é o peixe. Essa omissão não é devida a nenhum temor de que o peixe pudesse molestar o proprietário da tumba, mas era o resultado de uma crença segundo a qual o peixe, embora inócuo para as pessoas vivas, podia profanar um corpo morto.
No decorrer do Primeiro Período Intermediário (c. de 2134 a 2040 a.C.) e no Império Médio (c. de 2040 a 1640 a.C.), os textos das pirâmides ainda permaneceram, mas numa forma modificada. Os egípcios deixaram de escrevê-los nas paredes das câmaras e corredores das tumbas e passaram a esculpi-los na parte interna de ataúdes retangulares de madeira empregados naquela época. Seu uso generalizou-se por toda a nobreza e os textos deixaram de ser exclusividade da realeza. Tais inscrições ficaram conhecidas modernamente como os textos dos sarcófagos. Durante o Império Novo (c. de 1550 a 1070 a.C.), os textos, após sofrerem outras modificações, passaram a ser escritos em papiro e eram chamados de Capítulos do Sair à Luz e nos tempos modernos ficaram conhecidos como Livro dos Mortos.
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