UMA VACA QUE usava um disco solar e duas plumas entre os chifres representava Hátor, deusa do céu, do amor, das mulheres e da beleza feminina e até mesmo de todos os produtos de beleza. Nutriz do deus Hórus e do faraó; padroeira da alegria e das festas ruidosas, da dança, da música, do vinho, da embriaguez e da felicidade, mas também das necrópoles, era, ainda, padroeira dos paises estrangeiros. Seu centro de culto era a cidade de Dendera, e por isso ela era conhecida como senhora de Dendera, mas havia templos dessa divindade por toda parte. Naquela cidade, todos os anos, no 1.º mês da inundação, denominado thuthi, em seu 20.º dia, correspondente ao 7 de agosto do nosso calendário, era celebrada, em homenagem à deusa, a festa popular da "embriaguez". Hátor também era representada por uma mulher usando na cabeça o disco solar entre chifres de vaca; uma mulher com orelhas de vaca; uma mulher com cabeça de vaca e, ainda, podia ser venerada como serpente ou como sistro. Nessa cabeceira de cama totalmente dourada que vemos acima, encontrada no túmulo de Tutankhamon (c. 1333 a 1323 a.C.), a deusa é representada por uma vaca com chifres em forma de lira com o disco solar entre eles.
HÁTOR — A DOURADA — É UMA DAS MAIS ANTIGAS deusas do país, que começou a existir no começo dos tempos, e uma espécie de deusa-mãe. Conhecida como a face do céu, a profundeza, a dama que vive num bosque no fim do mundo, era uma divindade de muitas funções e> atributos, misturados e até desconexos uns dos outros em razão da antiguidade de sua existência. A maternidade e o dom do aleitamento eram suas propriedades principais desde os primórdios e assim permaneceram ao longo dos tempos. Entretanto, em Tebas é chamada de rainha do ocidente e estava associada ao mundo dos mortos. Em Mênfis ela é conhecida pela designação de senhora do sicômoro, protegendo com sua sombra os mortos nos desertos do além, e em outras localidades ela é também a senhora das turquesas e a padroeira dos mineiros e, ainda, senhora dos países longínquos e protetora dos viajantes, entre outros epítetos.
SEU NOME, HAT-HOR EM EGÍPCIO, significa a Morada de Hórus, o que a liga ao falcão que plana nos céus e que é um filho da divindade encarnado na terra pelo faraó. O nome deriva do fato de que se imaginava que Hórus, o deus-Sol, vinha descansar em todo o entardecer no peito da deusa, antes de nascer novamente no amanhecer. Por outro lado, o firmamento era imaginado pelos egípcios como uma grande inundação e esta era venerada em muitos lugares como uma vaca, cujo ventre salpicado de estrelas formava o céu. Nesse sentido Hátor tem a aparência da Vaca Celeste, grande divindade cósmica que gerou o universo e tudo que ele contém e que atravessa o firmamento em uma barca e põe no mundo o Sol entre seus chifres.
EM OUTRAS CONCEPÇÕES ESSA DEUSA VACA sai de uma moita de papiro e acolhe o morto em seu seio para fazê-lo renascer como o Sol a cada amanhecer. Como deusa da morte — diz Kurt Lange — toma os bem-aventurados sob sua proteção: sua forma é a de uma novilha, doce e maternal. A novilha celeste, a deusa Hátor e o fiel cão de guarda Anúbis, lembram sem dúvida as crenças duma população componesa cujas idéias e cujos trabalhos se associavam intimamente aos animais da fazenda e da casa.
TODAS ESSAS IDÉIAS RELIGIOSAS aparecem nos Textos das Pirâmides, nos quais o rei morto afirma sua esperança de reunir-se com a Senhora de Dendera nas zonas celestiais. Estando próxima do Sol, a deusa se transforma em sua filha, recebendo por vezes o nome de Olho de Rá, e foi ela que, tomada de fúria, quase dizimou a humanidade sob os traços da deusa Sekhmet. Depois de apaziguada é atraída por bebidas e iguarias, pela música e pela dança. Então, convenientemente, torna-se a deusa do amor e da alegria, bela de aparência, doce no amor.
UM ROSTO FEMININO dotado de orelhas de vaca forma um objeto de culto e orna freqüentemente as colunas dos templos desta divindade. Essa coluna hatórica aparece, também com frequência, como amuleto. Aliás, os animais ditos sagrados eram temas de preferência dos artífices egípcios. Os móveis, domésticos ou tumulares, eram decorados com figuras de animais. A vaca, o animal de Hátor, não era exceção, como vimos na guarda da cama do túmulo de Tutankhamon.
NO TEMPLO DA CIDADE DE Dendera, dedicado a Hátor, as colunas das duas salas hipóstilas têm capitéis em forma de sistro, que era o símbolo da função protetora da deusa e o instrumento musical sagrado da divindade, do qual se vê um exemplar na foto ao lado. No centro de uma das paredes exteriores, que era dourada, havia também um relevo representando um sistro, demonstrando a importância deste instrumento no culto da deusa, enquanto o dourado evocava outro epíteto de Hátor: o ouro dos deuses.
NA PEQUENA ESTATUETA que se vê ao lado, Hátor é mostrada na mesma posição da deusa Ísis, ou seja, sentada em um trono e aleitando a criança divina, já que ambas as deusas tinham uma função comum que era a de ser mãe do herdeiro divino, de tal forma que a mãe do faraó era associada a essa deusa-vaca e o rei às vezes recebia o epíteto de Touro de sua Mãe. Ísis estava vinculada ao papel da mãe em seus aspectos sociais, ao passo que Hátor encarnava as facetas eróticas e biológicas da maternidade. Ela também foi assimilada a outras deusas, como Mut e Nut. Essa pequena peça de cerâmica egípcia, que pertence ao acervo do Museu do Louvre, mede 7 cm de altura, era usada, provavelmente, como amuleto e sabemos que é datada do Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.), embora sua proveniência seja desconhecida. Em seu pilar dorsal lê-se: Hátor Senhora do Céu, Soberana das Duas Terras.
NA NECRÓPOLE DA CIDADE de Dendera foram encontradas catacumbas com abóbadas de tijolo contendo sepulturas de animais, sobretudo aves e cães. Também foram encontradas sepulturas de vacas em vários locais deste cemitério.
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