HORUS O MENINO


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ACREDITA-SE QUE A LENDA do deus Osíris tenha sido baseada em eventos históricos verdadeiros ocorridos na região do delta nilótico em época muito primitiva. Com um enfoque bem mais interessante do que o das teologias de criação do Universo surgidas em Heliópolis e outras cidades, ela fez grande sucesso ao ser introduzida no conjunto das tradições religiosas reais no decorrer do Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C). Nos textos egípcios essa história nunca aparece narrada do início ao fim, mas o padrão das referências aos incidentes que dela fazem parte confirmam a sequência geral de eventos como relatados pelo autor grego Plutarco (c. 50 a 125 d.C.). Na ilustração ao lado a divindade está representada com atributos de faraó numa estatueta em madeira pintada, de cerca de 1300 a.C., pertencente ao Museu Britânico de Londres.

DE ACORDO COM A NARRATIVA, Osíris foi um soberano justo e benemérito que reinou sobre o Egito a partir do delta. Seu reinado foi interrompido por seu irmão, Seth, que o matou por ciúmes. Plutarco relata que Seth confeccionou uma rica arca com as medidas do corpo de Osíris, cuja estatura passava dos cinco metros, e convidou-o para um banquete no qual estaria um grupo de 72 conspiradores propensos a matá-lo. A título de gracejo, Seth introduziu a arca na sala do banquete e afirmou que a daria de presente a quem melhor se ajustasse a ela. Todos os convidados nela entraram, deitando-se, mas nenhum deles a preenchia integralmente. Finalmente entrou Osíris, estendendo-se no fundo, exatamente do seu tamanho. A tampa foi pregada imediatamente e a arca atirada ao Nilo, de onde foi dar ao mar.

A LENDA PASSA ENTÃO A DESCREVER as andanças de Ísis que, desolada, saiu em busca do corpo do marido encontrando-o, finalmente, em Biblos, para onde o oceano o havia levado. Após uma série de peripécias, retornou ao país natal trazendo consigo a arca com o corpo. No caminho abriu a arca e, empregando todo o seu mágico poder, tentou ressuscitar o marido. Tornou-se um falcão e, agitando as asas sobre ele, tentou retituir-lhe o sopro da vida. Embora não tendo conseguido, milagrosamente ficou fecundada. A deusa refugiou-se nos arredores de Buto, mas o malvado Seth não demorou em descobrir a arca. Roubou o corpo de Osíris e dividiu-o em 14 pedaços que foram espalhados pelo Egito. A paciente Ísis, com a ajuda de sua irmã Néftis, procurou e encontrou todos os pedaços, com exceção do falo, engolido pelo peixe Oxyrinco. O corpo foi reconstituído por artes mágicas de Ísis e o deus Anúbis o embalsamou, tendo surgido assim a primeira múmia. Findo o sepultamento, Ísis voltou a refugiar-se nos pantanais de Buto para proteger-se, e ao filho que esperava, das maldades de Seth.

O FILHO DE ÍSIS NASCEU, informa Plutarco, antes do devido tempo e era uma criança de pernas débeis, ou seja, era um bebê prematuro, e recebeu o nome de Harpócrates. De fato, em Heliópolis o deus Hórus recebia o nome de Heru-pa-khret, palavra egípcia que significa Hórus, o menino, e que os gregos traduziram para Harpócrates. Tratava-se de uma forma tardia de Hórus no seu aspecto de ser o filho de Ísis e Osíris quando criança e fazia parte da enéade daquela cidade, tendo sido cultuado em muitos santuários do país. Nesse caso é representado por uma criança nua, usando a coroa dupla do faraó, ou um penteado infantil com tranças, e chupando o dedo, como vemos nessa foto de uma estatueta que pertence ao Museu Ashmolean, de Oxford. Os gregos o imaginaram com o dedo sobre a boca, isto é, ante os lábios, o que fazia dele uma divindade da discrição e do silêncio. Nesse caso simbolizava o estado débil do pensamento do homem o qual, ante os deuses, nunca passa de uma criança. O melhor que o ser humano pode fazer é adorar as divindades em silêncio.

HARPÓCRATES MUITAS VEZES É retratado sendo amamentado por Ísis ou por Hátor. Ambas amamentaram-no e criaram-no justamente para que pudesse vingar-se de seu tio Seth, o rei mau do Alto Egito que matara seu pai Osíris. A estatueta em bronze que vemos ao lado, por exemplo, com 18,4 por 4,5 cm, que deve ter sido produzida entre 712 e 30 a.C. e que pertence ao museu da Emory University, de Atlanta, nos Estados Unidos, mostra o deus sendo amamentado por sua mãe. Também podia ser identificado com o deus-Sol que renascia a cada manhã, dissipando as trevas, sendo, então, mostrado a emergir de uma flor de lótus que flutua sobre as águas celestiais. Ele simbolizava o incessante renovar da vida, a eterna juventude, tudo aquilo que perpetuamente renasce devido às alternâncias da vida e da morte.

NO PERÍODO TARDIO (c. 712 a 332 a.C.), essa divindade tornou-se bastante popular e aparecia representada como uma criança nua em pé sobre um crocodilo, tendo nas mãos cobras e escorpiões. Ficou, então, conhecido como um deus com poder de curar as pessoas que tivessem sido mordidas por cobras ou picadas por escorpiões. Ainda podia personificar, segundo alguns autores, os germens que começam a brotar, já que seu pai era uma divindade agrária, ou o Sol debilitado do inverno. Entretanto, Plutarco afirma: Não se deve imaginar que Harpócrates seja um deus imperfeito em estado de infância, nem grão que germina. Assenta melhor considerá-lo como o que retifica e corrige as opiniões irreflexivas, imperfeitas e truncadas no concernente aos deuses, e tão difundidas entre os homens. Por isso, e como símbolo de discrição e silêncio, esse deus aplica o dedo sobre os lábios.