Atravessando um portão guardado, o rei entra na sétima divisão. Nela o ambiente e as divindades começam a assumir aspectos celestiais. Aí ele encontra um deus com cabeça de falcão, Heru-Her-Khent, que usa na cabeça o emblema do Disco Celestial e cujo nome em hieróglifos inclui o símbolo da escada. A função desse deus é a de enviar as estrelas para seus caminhos e fazer as horas entrarem no seu curso no mundo subterrâneo. As estrelas são personificadas por deuses, doze no total, cada um deles com uma estrela na cabeça. A oração a ser proferida nesse local pede que tais divindades guiem as duas mãos de Rá para que ele possa viajar em paz para o Lugar Oculto e iluminem suas estrelas no céu de forma que o faraó possa unir-se com o Senhor do Horizonte. As horas são personificadas por 12 deusas que também portam estrelas na cabeça.
Na oitava hora o faraó chega ao círculo dos deuses ocultos e a eles dirige a palavra enquanto seu barco, protegido pelos poderes mágicos da serpente Mehen, como mostra a vinheta ao lado, é puxado por várias divindades. Ainda que ocultos, quem conhece aqueles deuses pelos nomes não será repelido nos portões da oitava divisão, que são muitos, e terá oferendas abundantes de forma regular e perpetuamente. O faraó, é claro, sabe todos os nomes das divindades do local. Ele as convocará e nove sequazes cortarão as cabeças de todos os inimigos de Rá, e consequentemente do rei, que forem encontrados nessa divisão do Duat. Cânticos de júbilo são ouvidos e depois de passar por todos os portões e ser saudado por todos os deuses dos diversos setores que formam a oitava divisão, o faraó passa para a divisão seguinte.
Na nona divisão, no decorrer da nona hora, o faraó vê o local de repouso dos 12 Divinos Remadores do Barco de Rá que movem o celestial Barco de Milhões de Anos daquela divindade. O trabalho deles é o de transportar Rá diariamente por esta região e, enquanto o fazem, dão água com seus remos para os espíritos que ali estão e cantam hinos ao Senhor do Disco. Como o faraó viaja no barco de Rá, os remadores vão transportá-lo e nesse trajeto o rei avista cerca de 50 deuses. Alguns fazem oferendas, principalmente pão e cerveja, às divindades do Duat; outros derrotam os inimigos de Osíris; outros, ainda, louvam o marido de Ísis. Doze uraei lançam fogo pela boca para iluminar a escuridão e com as chamas destróem os inimigos de Osíris. Elas também comem as serpentes maléficas que rastejam naquela região e se alimentam do sangue de suas vítimas que esquartejam diariamente.
Durante a décima hora o faraó continua se deparando com estranhas divindades. A primeira delas é uma grande serpente com duas cabeças e dois pares de pernas, um voltado para a direita e o outro para a esquerda. Em cada cabeça equilibra uma coroa e em suas costas, um falcão. Apesar desta estranha aparência, acompanha Rá e volta com ele para o mundo dos vivos pela manhã. Uma outra serpente viaja estendida sobre um bote; ela é uma serpente guardiã e serve como sentinela dessa região. Divindades masculinas com lanças, arcos e flechas ali estão para derrubar os inimigos do rei na escuridão. Outras deidades fazem em pedaços os corpos dos inimigos do deus-Sol e dão a ordem para que sejam destruídos. Por fim, quatro deusas, levando serpentes que se apoiam sobre suas cabeças e costas, iluminam os caminhos daquela região densamente escura.
Ao passar para a décima primeira divisão, o faraó percebe que aumenta rapidamente a afinidade com os céus. Os deuses ostentam emblemas de estrelas ou do Disco Celestial. Uma estrela que está dentro do barco no qual o rei viaja o conduz pelos caminhos da escuridão. Ela gradualmente vai iluminando a senda, bem como também ilumina aqueles que estão na Terra. Alguns dos textos usados neste trecho ainda não estão suficientemente decifrados nem totalmente compreendidos.
Nessa décima primeira hora o faraó vê deuses cuja função é a de fornecer força para emergir do Duat ou fazer o Objeto de Rá avançar para a Casa Oculta nos Céus Superiores. As ilustrações mostram, entre outras coisas, um grupo de deuses trajados de maneira incomum: com macacões justos enfeitados por golas redondas. Esse grupo é dirigido por um deus com o emblema do Disco Celestial sobre a cabeça. A divindade aparece com os braços esticados entre as asas de uma enorme serpente que tem quatro pernas humanas. Contra um fundo estrelado, deus e serpente olham para uma outra serpente a qual, embora sem asas, parece voar enquanto carrega, sentado em suas costas, o deus Osíris. E enquanto o deus-Sol se prepara para subir aos céus e iluminar a Terra novamente, aqui parece que chegamos ao inferno. Nesse local, os corpos, as cabeças, as almas e até os fantasmas de todos os inimigos de Rá são destruídos para sempre em fornalhas alimentadas pelo fogo que sai da boca de divindades. E o espetáculo é diário, porque as deidades que vivem nessa região se alimentam das vozes dos inimigos e dos gritos de agonia das almas lançadas ao fogo.
Finalmente o faraó chega na décima segunda divisão, na hora final da viagem. Aqui fica o limite máximo da espessa escuridão e esse ponto é denominado Montanha da Ascensão de Rá. É nesse momento que ocorre o ataque da serpente Apófis ao barco de Rá, a última tentativa dos inimigos da divindade de impedi-lo de brilhar novamente sobre a Terra. Após a derrota do monstro, entram em cena as divindades cuja função é a de sustentar e elevar o disco solar até o horizonte leste do céu. O deus-Sol irá renascer assumindo a forma de Khepra e a deusa Nut ali está para esse acontecimento, pois é de suas coxas que o deus surgirá. Aqui fica o fim do Duat que é representado por uma parede semi-circular
formada de terra e pedras, ou talvez granito. No centro desta parede está o disco do Sol, o qual está prestes a subir para o mundo dos vivos. Junto a ele está a cabeça da imagem de Shu, com seus braços estirados ao longo da borda arredondada do Duat. O escaravelho, símbolo de Khepra, que emergiu do barco do deus-Sol também está presente. Na parte de baixo do desenho vemos o corpo do deus-Sol noturno que foi descartado. O faraó olha para cima e vê o Barco Celestial de Rá pairando diante de seus olhos em toda sua impressionante majestade. A divindade se posiciona no horizonte oriental do céu, Shu o recebe, e o deus-Sol nasce a leste. É a vitória da luz sobre as trevas, da ordem sobre o caos.
Enquanto isso o faraó está junto a um objeto que recebe o nome de O Ascensor para o Firmamento. Alguns textos sugerem que Rá em pessoa preparou esse ascensor para o soberano, de modo que o rei possa nele subir aos céus; outros dizem que o objeto foi montado por vários deuses. Esse artefato é indispensável para que o faraó possa ser trasladado para a vida eterna, como aconteceu anteriormente com o deus Osíris. Zecharia Sitchin, o pesquisador russo que estamos citando, explica que o Ascensor ou Escada Divina não era uma escadinha qualquer. Dizem os textos que ela era amarrada com cabos de cobre: "seus tendões são como os do Touro do Céu". As "partes em pé nos dois lados" eram cobertas de um tipo de "pele"; os degraus eram talhados em "Sesha" (significado desconhecido); e uma "grande escora foi colocada sob ele por Aquele que Amarra".
No Livro dos Mortos as figuras mostram uma Escada Divina sob a forma de uma torre alta estilizada. O Ascensor era operado pelos filhos de Hórus que eram os marinheiros do barco de Rá. Eles preparam o Ascensor, chamado de Olho de Hórus, para que o rei possa subir aos céus por meio dele. Um segundo Ascensor, chamado de Olho de Rá, também é preparado e colocado em posição. Os deuses explicam para o faraó perplexo que o segundo barco é para o filho de Aten, um deus que veio do Disco Alado. Equipado como um deus, o faraó é ajudado por duas deusas que seguram seus cabos para ele poder subir no Olho de Hórus. Nos textos o termo olho, que pouco a pouco foi substituindo a palavra Ascensor ou Escada, agora passa a ser substituído pela palavra barco. O olho ou barco no qual o faraó entra tem cerca de 350 metros de comprimento. Um deus está sentado na proa e recebe uma ordem: Leve esse rei contigo na cabine de teu barco.
O faraó senta-se no divino barco, entre dois deuses. Dois chifres projetam-se da cabeça (ou seria um capacete?) do rei. Ele está conectado, pronto para a ação. Textos que tratam da viagem de Pepi I (c. 2289 a 2255 a.C.) no além-túmulo descrevem que nesse momento ele está usando os trajes de Hórus, as vestes de Thoth; tem Ísis diante dele e Néftis atrás; Wepwawet, o Abridor de Caminhos, abriu uma via para ele; Shu, O que Segura o Firmamento, o levantou; os deuses de An o fazem subir à Escada e o colocam diante do firmamento; Nut, a deusa do firmamento, estende a mão para ele. Trata-se de um momento mágico: duas portas serão abertas e o faraó emergirá triunfante do Duat e seu barco navegará nas Águas Celestiais.
Deuses-macaco, simbolizando o amanhecer, pronunciam palavras mágicas de poder que farão o esplendor sair do Olho de Hórus. Este começa a mudar de cor, passando do azul para o vermelho. Há muita atividade e agitação por todos os lados. O silêncio é quebrado. Agora há som e fúria, rugidos e extremecimento. Então, as duas montanhas se dividem e há o lançamento na direção do céu nebuloso do amanhecer, no qual as estrelas noturnas não estão mais visíveis. No meio da agitação, rugidos e estremecimentos, o Touro do Céu (cuja barriga é cheia de mágica) ergue-se da Ilha da Chama. O burburinho cessa e o faraó está no alto, surgindo como um falcão. Seu destino é o Aten, o Disco Alado, a morada de Rá, que também é chamado de Estrela Imorredoura. O faraó avança no Céu, corta o firmamento, esperando ser bem recebido em seu destino. A viagem celestial durará oito dias: Quando a hora da manhã vier, a hora do oitavo dia, o rei será convocado por Rá. Os deuses que guardam a entrada do Aten o deixarão passar e o próprio Rá o estará esperando. O rei subiu na Escada para o Céu e chegou à Estrela Imorredoura; agora sua vida é eterna.
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