O povo egípcio era prático por excelência. Assim, toda a sua ciência era empírica e voltada para a solução dos problemas do dia-a-dia. A matemática, por exemplo, procurava encontrar soluções para a medição das terras ou para o traçado dos planos das pirâmides e templos. A medicina, que teve como patrono o sábio Imhotep, foi uma das ciências que se desenvolveu bastante, principalmente em função do tratamento que era dado aos cadáveres para preservá-los intactos. A religião, como em diversos outros setores da vida egípcia, também sempre interferiu e contaminou os aspectos científicos com a magia. Os conhecimentos científicos concentravam-se nas mãos de poucos: cortesãos, sacerdotes, funcionários e escribas.
Vejamos inicialmente a matemática. Para os antigos egípcios a matemática era uma disciplina indutiva de natureza utilitária, empregada para realizar tarefas práticas como o controle das inundações ou a medição dos campos com uso de cordas. Assem Deif, professor de matemática na Universidade do Cairo, ponderou que é óbvio que para realizar a enorme quantia de cálculos necessários para erguer as pirâmides, os egípcios tiveram que alcançar um conhecimento matemático bastante avançado. Vários matemáticos gregos eminentes, como Pitágoras, Tales e Arquimedes, por exemplo, trabalharam no Egito e é provável que a matemática egípcia tenha sido absorvida pela matemática grega. A história registra que Pitágoras enunciou seu famoso teorema ao sair do Egito, em 600 a.C., depois de lá viver por 22 anos. Diz o professor que as pirâmides de Gizé oferecem evidância definitiva da antiga precisão nas medições. Não há dúvida de que elas são um testemunho da notável habilidade dos construtores em medir direções, ângulos e comprimentos com extraordinária exatidão na superfície da terra. Erguidas nos meados do terceiro milênio a.C., logo após a primeira evidência conhecida de escrita egípcia, elas precedem em 600 anos qualquer uma das primeiras ferramentas matemáticas.
Os egípcios usavam a numeração decimal pelo menos desde os idos da primeira dinastia (c. 2920 a 2770 a.C.). Entretanto, não conheciam o zero, mas às vezes, intuitivamente, o escriba o manejava deixando um espaço vazio para ele. Um traço indicava a unidade, um arco indicava a dezena e uma corda enrolada indicava a centena. O número 1000 era simbolizado por uma flor de lótus, uma naja simbolizava 10 mil, um girino, 100 mil e um escriba com os braços erguidos simbolizava um milhão. Na foto do topo da página, de um muro de uma construção de Tutmósis III (c. 1479 a 1425 a.C.) em Karnak, pode-se observar esse sistema de notação.
Nesta tabela, os hieróglifos que representam os números de um a 20. Trabalhavam apenas com três operações aritméticas: a soma, a subtração e a divisão. Para multiplicar usavam o expediente de fazer adições sucessivas. Tinham dificuldade em lidar com as frações. As que tivessem numerador maior do que 1 eram divididas em parcelas com numerador unitário para serem usadas nos cálculos. Excetuava-se a fração 2/3, que eles sabiam utilizar tal como se apresentava. A diferença entre a progressão aritmética e a geométrica era perfeitamente entendida e calculavam com precisão as áreas dos triângulos, retângulos e hexágonos bem como o volume das pirâmides, das pirâmides truncadas, do cilindro e até mesmo do hemisfério. Calcularam em 3,16 a razão entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro, o que é um valor notavelmente exato para a época, mormente quando lembramos, por exemplo, que a Bíblìa apresenta o número 3 para o valor de PI.
Dois documentos matemáticos principais sobreviveram: o papiro Rhind e o papiro de Moscou. Também foi encontrado um rolo de couro contendo uma tabela que lida com 26 decomposições de frações. Ainda foram localizados o chamado papiro de Berlim, contendo dois problemas com equações simultâneas, uma delas de segundo grau, e o papiro Reisner, o qual demonstra a aplicação prática da matemática em construção e comércio. É sobretudo dos dois primeiros documentos que os estudiosos obtiveram a maior parte das informações sobre a matemática egípcia.
O papiro Rhind, comprado por A. Henry Rhind em Luxor em 1858, foi escrito por volta de 1650 a.C. e contém um texto que foi considerado a cartilha de calcular mais antiga do mundo, o assim chamado Livro de Calcular de Ahmes. Foi escrita pelo escriba Ahmes, que declarou que estava copiando um documento 200 anos mais velho e que os egiptólogos acreditam ser do período entre 1849 e 1801 a.C. O papiro contém tabelas de multiplicar, junto com 87 problemas que envolvem uma variedade de processos matemáticos. O professor Idel Becker nos explica que o papiro Rhind é o documento número um no catálogo da literatura matemática mundial. Trata-se de um vade-mécum. Não expõe regras gerais, mas casos particulares. Ao ensinar o cálculo de frações, Ahmes fornece uma grande tabela, possivelmente coligida às apalpadelas e por tentativas durante muitos séculos, com cujo auxílio se pode representar uma fração qualquer, como soma dessas frações fundamentais. Exemplos: 2/5=1/3+1/15; 2/9=1/6+1/18.
O papiro de Moscou data de 1890 a.C. e contém cerca de 25 problemas. O de número 14 mostra uma figura que se assemelha a um trapezóide isósceles: os cálculos associados com ela indicam que é o pedaço de uma pirâmide quadrada. A fórmula não foi escrita no papiro, mas evidentemente foi conhecida pelos egípcios. A quadratura do círculo, ou seja, a redução de um círculo a um quadrado de área equivalente, foi o problema mais fascinante que os egípcios tentaram resolver e, sem dúvida, o problema matemático mais famoso e complicado da antiguidade. Usando instrumentos geométricos simples como um compaso e uma régua, tratava-se de achar um quadrado de área igual à de um determinado círculo dado. Só no final do século XIX da nossa era é que foi demonstrado que tal quadrado não pode ser construído, ou seja, o problema é insolúvel. Pois os antigos egípcios foram os primeiros a propor este desafio: declararam, no problema número 50 do papiro Rhind, que um círculo de nove unidades de diâmetro é igual em área a um quadrado com lados de oito unidades.
Em Saqqara foi feito um achado importante de um ostracon de pedra calcária datado de aproximadamente 2700 a.C. Trata-se do esboço de projeto da seção curva de um telhado desenhado por um arquiteto. Os egiptólogos acreditam que o plano deste arquiteto é um exemplo do uso de coordenadas retangulares. Para cada coordenada horizontal, espaçadas sempre na mesma distância entre si, a altura vertical é determinada por pontos que definem uma curva. A curva no esboço coincide exatamente com a curva de um telhado de um templo das proximidades. Isto parece ser o uso mais antigo de coordenadas retangulares e é outro exemplo de conceitos matemáticos sofisticados achados em aplicações práticas.
As inundações anuais do Nilo destruíam de tempos em tempos os marcos limítrofes das propriedades, originando contendas sobre os direitos à terra. Nesse cenário desenvolveu-se a classe profissional dos agrimensores, chamados de esticadores de corda, aos quais cabia restabelecer os antigos limites das áreas inundadas. Na prática eles já conheciam o teorema de Pitágoras. Eles sabiam — diz Idel Becker — que um triângulo com lados 3, 4 e 5 é retângulo. Faziam, pois, numa corda, 12 nós — a intervalos regulares. Amarravam as pontas e esticavam a corda, dobrando-a convenientemente em três dos nós. Obtinham, assim, um triângulo retângulo. Isto lhes permitia traçar perpendiculares e paralelas, necessárias às tarefas de agrimensura. Desta forma conseguiam restabelecer os antigos limites das terras dos diversos proprietários.
Não apenas as pirâmides foram grandes feitos de engenharia. O complexo do templo de Karnak tem 134 colunas esculpidas em granito, cada uma com 22 metros de altura e 3,50 metros de diâmetro. Alguns obeliscos têm 42 metros de altura e pesam 1100 toneladas. Não resta dúvida de que a construção dos templos e das pirâmides exigiam conhecimentos precisos não só geométricos, mas também matemáticos, geodésicos e astronômicos. Todas essas obras estavam orientados em rigorosa conformidade com os pontos cardeais.
Uma prova da capacidade científica dos egípcios está no calendário que usavam. Não poderiam ter inventado um calendário com tão notável precisão, a menos que fossem bem versados em astronomia, uma ciência que não pode ser dissociada da matemática ou da religião no antigo Egito. Uma nação capaz de dominar a astronomia tem que ter possuído, obrigatoriamente, experiência matemática avançada.
Não sendo cientistas puros, os egípcios tinham pouco interesse pela natureza do universo físico em si mesmo. Apesar disso, fizeram mapas dos céus, identificaram as principais estrelas fixas e conseguiram algum sucesso na determinação exata das posições dos corpos celestes. A figura acima mostra motivos astronômicos pintados no teto do túmulo de Seti I (c. 1306 a 1290 a.C.). Heliópolis era o centro de culto do Sol e como o ritual desse deus estava ligado intimamente com a medida do tempo e os movimentos dos corpos celestes, era natural que a astronomia fosse estudada principalmente naquela cidade. Idel Becker explica que eles agrupavam as estrelas em constelações identificadas com as divindades; e nessa forma eram elas representadas nos tetos e nas tampas dos ataúdes. Representava-se o universo como uma caixa retangular, no meio de cuja base ficava o Egito. O firmamento era sustentado por quatro píncaros de montanhas; as estrelas pendiam do céu por meio de cabos. Em torno da terra corria um rio onde viajava um barco que conduzia o sol.
Uma das obras mais espantosas da arquitetura egípcia é Abu Simbel. Uma maravilha da engenharia, a construção do templo dependeu de cálculos astronômicos precisos. Graças à orientação do monumento, duas vezes por ano, em 22 de fevereiro e em 22 de outubro, datas do aniversário e da coroação de Ramsés II, as estátuas dos deuses Amon-Rá e Rá-Harakhti e a do faraó, situadas na parte mais interna do templo, são iluminadas ao amanhecer por um raio de luz solar. Este espetáculo aconteceu por mais de 3200 anos até a década iniciada em 1960, ocasião em que templo foi desmantelado e transferido de local para dar lugar à uma represa. Depois disso a data do fenômeno se alterou em um dia.
A fama dos médicos egípcios atravessou fronteiras. O rei persa Ciro chegou a pedir um oculista ao faraó. O mais antigo dos médicos conhecidos é Imhotep, da III Dinastia (c. 2649 a 2575 a.C.), representado na ilustração ao lado em uma estatueta de bronze, considerado após sua morte o deus da medicina. Muito contribuiu para o estudo dessa ciência a prática da mumificação, a qual permitiu o acúmulo de conhecimentos empíricos de anatomia. Os médicos egípcios já eram especialistas: havia oculistas, ginecologistas, dentistas, cirurgiões, estudiosos das doenças do estômago, etc. A importância de um órgão como o coração já era intuida por eles e tiveram uma vaga idéia do significado do pulmão. O tratamento de fraturas era feito com certo grau de habilidade e sabiam realizar operações simples, com alto nível técnico e científico. O papiro de Edwin Smith, originário da I dinastia (c. 2920 a 2770 a.C.), contém um tratado de cirurgia, especialmente de fraturas, que é notável por sua aproximação empírica.
Entre os egípcios a circuncisão não era realizada imediatamente após o nascimento, pois tinha sobretudo relação com os ritos de iniciação na época da puberdade. Ela é mencionada várias vezes nos textos e são conhecidas duas representações dessa pequena cirugia. A que está ilustrada ao lado encontra-se em Saqqara no túmulo do médico Ankh-ma-Hor, da VI dinastia (c. 2323 a 2150 a.C.).
Através dos papiros que chegaram até nós, também percebemos uma gama muito grande de conhecimentos médicos entremeados com fórmulas mágicas. Produziam remédios, por exemplo, que, segundo eles, curavam em certos meses, permanecendo ineficazes em outros. A aplicação de tais medicamentos era acompanhada de encantamentos, nunca desprezando os mais variados amuletos e talismãs. Apesar disso, apontavam como causa das moléstias os fatores naturais e observaram as propriedades curativas de numerosas drogas, tendo compilado a primeira farmacopéia que se conhece. Baseados na observação e na experiência, os egípcios iam tratando as doenças do corpo cada vez mais de forma racional. Os diagnósticos e tratamentos iam se tornando cada vez mais corretos. As doenças mentais, entretanto, permaneceram sendo tratadas por muito tempo por exorcistas que utilizavam passes e amuletos na tentativa de expulsar os maus espíritos. A partir do Império Médio os conhecimentos médicos adquiridos até então transformaram-se em dogmas. Houve um apego exagerado aos ensinamentos tradicionais e a medicina parou no tempo.
Os egípcios — afirma o historiador Edward Burns — pouco fizeram em outros campos científicos. Apesar de terem realizado façanhas de engenharia que rivalizam com a perícia da mecânica moderna, seus conhecimentos de física eram os mais rudimentares possíveis. Conheciam o princípio do plano inclinado, mas ignoravam a roldana e, provavelmente, também, o rolo. Embora fosse pequeno o
seu conhecimento de química, ao menos deram o nome a essa ciência. Deve também ser consignado, em seu favor, um considerável progresso na metalurgia, a invenção do relógio de sol e do de água, o fabrico do papel e do vidro. Com todas as suas deficiências como cientistas puros, igualaram realmente os romanos nas realizações práticas e foram muito além dos hebreus e dos persas.
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