A ternura pela criança é um traço constante e encantador da civilização egípcia ao longo de toda a sua história. A arte egípcia sempre usou como tema a infância e todo o mundo que a envolve. Também não faltam textos evocando as alegrias desse período da vida e outros lembrando que a missão dos pais traz mais satisfações do que dissabores. Os filhos eram altamente desejados pelos egípcios até porque, práticos como eram, viam neles o instrumento da preservação dos ritos do culto funerário, que eram indispensáveis para a continuidade da vida após a morte. Assim, o desejo de ter filhos, principalmente um varão, era geral e resultava em famílias numerosas. O anão Seneb e sua esposa, a princesa Sentyotes, mandaram perpetuar em pedra a imagem do seu casal de filhos.
Os egípcios gostavam de crianças e as tinham sempre por perto. Os filhos dos pastores acompanhavam seus pais ao campo e um grande proprietário quando visitava suas terras também ia acompanhado de toda a família. Os filhos dos artesãos circulavam pelas oficinas tentando ajudar em alguma coisa. Mesmo os soberanos viviam rodeados pelos filhos. O faraó Akhenaton e sua esposa Nefertiti saiam acompanhados
pelas filhas. Se permaneciam no palácio — nos conta o egiptólogo Pierre Montet — as princesas ficavam junto deles, não só nas horas de repouso mas também quando se ocupavam de negócios do Estado. Elas trepavam para os joelhos do rei e da rainha não temendo acariciar-lhes o queixo. As mais crescidas participavam na disposição das decorações. Tomados por um acesso de ternura, vemos os felizes pais apertarem os pequenos nos braços e devorarem-nos de beijos. O próprio Ramsés II se orgulhava muito dos seus cento e sessenta e tantos filhos.
Eram poucas as despesas que os egípcios tinham com seus filhos. Enquanto pequenos, andavam nus e descalços, dentro ou fora de casa, os meninos adornados com um colar e as meninas apenas com um pente e um cinto. A alimentação baseada em caules de papiro, raizes cozidas ou cruas, também não acarretava grandes encargos.
Assim que a criança nascia era preciso dar-lhe um nome, já que não existia entre eles o assim chamado nome de família. Alguns desses nomes eram curtos: Ti, Abi, Tuí, To. Outros eram verdadeiras frases como Djed-Ptah-iuf-ânkh, que significa Ptah diz que ele viverá. Substantivos e adjetivos também eram transformados em nomes: Djâu. a vara; Chedu, o odre; Menkhti, o forte; Chery, o pequeno; Ta-mit, a gata. Os pais costumavam adotar uma divindade como padrinho do recém-nascido e desse fato também podia advir o seu nome: Hori para os afilhados do deus Hor; Setuí para os afilhados do deus Seth; Ameni para os afilhados do deus Amon e assim por diante. Escolhido o nome fazia-se o registro do nascimento junto à autoridade competente, até porque era necessário que a administração conhecesse o número de bocas que tinha a obrigação de alimentar.
As mães carregavam as crianças de colo junto ao peito, num alforje pendurado no pescoço que deixava livres as mãos. Um escriba de nome Ani homenageou as devotadas mães egípcias escrevendo: Paga à tua mãe tudo o que ela fez por ti. Dá-lhe pão com abundância, trata-a como ela te tratou. Constituíste um grande peso para ela. Quando nasceste, após sua gravidez, trouxe-te num alforje pendurado na nuca e durante três anos o seu seio esteve na tua boca. Ela não sentia nojo diante dos teus excrementos.
É bem verdade que as rainhas e algumas damas de classe privilegiada utilizavam serviços de amas para cuidar de seus filhos, mas isso não tira o mérito da homenagem. Os pequenos príncipes também podiam ter confiada sua educação a alguma destacada personalidade que lhe servia de preceptor. Um veterano militar de nome Ahmosé escreveu: Atingi uma velhice excelente, estando entre aqueles que vivem junto do rei... A divina esposa, a grande esposa real Mâcarê renovou-me as minhas prerrogativas. Fui eu que criei a sua filha, a princesa real Neferurê quando ela ainda era criança de peito.
Os pequeninos egípcios ligavam-se estreitamene aos animais que os cercavam: cabritos, gansos, patos, pombos, gatos e cães. Os pequenos macacos, que frequentavam as casas desde o Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.), também eram seus companheiros de folguedos. Para brincar as crianças utilizavam fragmentos de objetos domésticos, mas a arqueóloga Christiane Noblecourt nos conta que nas escavações foi encontrada a eterna silhueta animal perfilada em madeira e montada sobre rodas, que bastava puxar com uma cordinha, além de parelhas miniaturizadas em terracota, imitando a equipagem do faraó, cujos súditos eram substituídos por macacos! A boneca de madeira com membros articulados também existia, pelo menos na Baixa Época. A recompensa suprema certamente era a posse de uma pequena gazela capturada no deserto e que as crianças mais felizes da "sociedade" podiam manter nos braços como um precioso tesouro. As meninas praticavam exercícios físicos, assim como os meninos, além de compartilhar seus jogos. Eram frequentemente vistos correndo juntos e até saltando, numa espécie de pula-sela, onde o "paciente" não apresentava suas costas, mas ficava sentado no chão; afastados um do outro, eram então seus braços e mãos que os parceiros deviam transpor, sem os tocar. Aos movimentos de flexibilidade misturavam-se jogos de destreza nos quais muitas vezes se utilizavam bolas de couro. Entre os brinquedos mais apreciados pelos pequenos egípcios estavam os animais com mandíbula articulada, como este gato que se vê acima. Ele é confeccionado em madeira, tem os dentes feitos de bronze, foi encontrado em Tebas e está datado do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.). Para ver uma outra foto dessa figura, clique aqui.
No instante em que a criança não mais podia andar nua, momento que devia coincidir talvez com a entrada na escola, o menino ganhava uma espécie de saio e um cinturão e a menina recebia um vestido. Essa era uma data marcante da vida infantil e ficava marcada para sempre na memória, como atestam velhos cortesãos ao escreverem que não esqueciam ter recebido o cinturão no reinado de um determinado faraó. Era então que os meninos começavam a ser orientados no sentido de, um dia, virem a exercer o ofício de seus pais.
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