Depois da morte o destino das pessoas comuns não estava assegurado de forma categórica. A vida no além-túmulo era cheia de perigos que podiam ser vencidos, principalmente, por meios mágicos. Embora a grandiosidade dos funerais e do túmulo fosse um símbolo de status, o fato deles realçarem o prestígio do falecido durante a vida era um aspecto secundário. O defunto podia continuar vivendo dentro e ao redor do túmulo, ou podia viajar para o outro mundo. O seu objetivo — escreve John Baines — era identificar-se com os deuses, sobretudo com Osíris, ou juntar-se, como espírito transfigurado, ao ciclo solar, como membro do "barco dos milhões". O barco nunca é representado com a sua vasta equipagem, possivelmente porque os seres humanos eram excluídos do tipo de pintura em que aparece.
A partir da XIX dinastia (c. 1307 a 1196 a.C.) foram incluídas figuras de Osíris nos túmulos das pessoas ricas. A estatueta da divindade ou a base que a sustentava eram freqüentemente ocos e continham o Livro dos Mortos do dono da tumba, um guia essencial para vencer as armadilhas do além-túmulo e lá viver em segurança. Acima, figura de Osíris em madeira pintada, com 63,5 centímetros de altura, da tumba de Anhai, situada em Akhmin, datada de cerca de 1090 a.C. O deus encontra-se sobre uma base na qual estava escondido o Livro dos Mortos que acompanharia o falecido no além.
Entretanto, antes de se incorporar ao mundo divino, o morto tinha que passar por um julgamento no qual o deus Anúbis representava importante papel. Desenhado inúmeras vezes nos túmulos, papiros, sarcófagos e mortalhas, o tema central do julgamento era a pesagem do coração do falecido numa balança. Em um prato, o coração, no outro, Maat, a deusa verdade, representada quase sempre por um hieróglifo, ou por uma pena de avestruz, ou por uma figura da própria deusa. Num amplo salão no qual se acomodam 42 juízes, presididos por Osíris, Anúbis realiza a pesagem enquanto o deus-escriba da sabedoria e da justiça, Thoth, anota o resultado. Quando o coração e Maat estão em equilíbrio, isso significa que o falecido teve uma conduta correta em vida e, então, é apresentado a Osíris em triunfo.
Quando os falecidos não passavam pelo teste, um monstro chamado de devorador dos mortos os comia. Baines esclarece: Para os egípcios, a partida desta vida era uma primeira fase, sendo a segunda a morte, que causava uma total aniquilação, o que era de evitar. Aqui, contudo, as noções que utilizavam tornam-se estranhas aos olhos dos ocidentais. A aniquilação não fazia desaparecer totalmente as vítimas, mas os "mortos" — isto é, segundos mortos — são representados sofrendo castigo nos registros mais baixos dos livros do mundo subterrâneo. Entravam num outro modo de existência, que era uma ameaça para o mundo ordenado e que tinha de ser combatido.
No túmulo era depositada uma grande variedade de bens materiais, sendo que alguns objetos correspondiam a determinadas necessidades no outro mundo. Nos períodos mais antigos, incluia-se enormes quantidades de comida. Posteriormente entendeu-se que bastava ilustrar as paredes dos túmulos ou os papiros que acompanhavam o falecido com desenhos de alimentos e estes, magicamente, se tornariam alimentos reais no além. Na figura acima vemos Herihor e sua esposa Nedjmet diante de uma mesa com comida. A cena foi desenhada no Livro dos Mortos dela, datado de cerca de 1070 a.C. O morto também era acompanhado por estatuetas funerárias, figurinhas mágicas que trabalhariam em seu lugar no além-túmulo. Idéia isolada, essas estatuetazinhas não parecem fazer parte de um corpo coerente de crenças, sendo sua concepção obscura para os egiptólogos. Havia ainda estátuas que poderiam vir a ser habitadas pela alma do defunto. Outro artifício mágico era a representação em pedra da cabeça do morto, a qual era colocada na câmara mortuária. Presume-se que se destinavam a servir como substitutas da cabeça verdadeira, caso essa viesse a ser destruída. O principal, é claro, era a múmia em si, enfaixada com cuidado, protegida por numerosos amuletos, dentro de um ou de vários caixões encaixados uns nos outros. Antes de ser enterrado, o corpo era magicamente ressuscitado num ritual chamado de abertura da boca.
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