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Depois da múmia ser envolta completamente nas bandagens, os embalsamadores prendiam uma rígida cartonagem ao corpo e podiam acrescentar uma máscara funerária à cabeça. Este novo rosto, que reproduzia as feições do defunto de forma geralmente idealizada, ou representava uma divindade egípcia, tinha importante papel na passagem para a vida após a morte: ajudavam o espírito do falecido a achar o corpo correto entre as diversas tumbas egípcias.
Cartonagem é o termo usado em egiptologia e papirologia para camadas de fibra ou papiro aglutinadas, suficientemente flexíveis para serem modeladas, enquanto molhadas, sobre as superfícies irregulares do corpo. Assim o material podia ser cuidadosamente trabalhado para se assemelhar bastante aos corpos contidos sob ele. O método era usado nas oficinas funerárias para produzir invólucros, máscaras ou painéis, os quais cobriam todo ou parte do corpo já mumificado e envolvido nas bandagens. A superfície resultante era uniforme e permitia a pintura da decoração com maior estabilidade e facilidade do que a que seria oferecida pela mortalha feita de linho. Dependendo de seu proprietário, a cartonagem poderia ser decorada extensivamente com imagens da sua experiência de vida, de símbolos religiosos ou de aspectos culturais.
As cores usadas eram: preto, azul, marrom, cinzento, verde, laranja, rosa, vermelho, branco e amarelo. O tipo de pintura que eles usaram é chamado de têmpera. Pinturas de têmpera são feitas misturando a fonte da cor, o pigmento, com água e um adesivo. Os pigmentos usados vinham de materiais naturais. Exemplos: cobre e outros minerais pulverizados, giz, fuligem, etc. Cola era produzida fervendo ossos animais, peles, cartilagem e tendões até que a gelatina fosse liberada. A cola de gelatina era então colocada em moldes para endurecer aguardando o instante do uso.
Às vezes a cartonagem é comparada com papel-machê, mas não há nenhuma redução do material à forma de pasta, seja ele papiro ou linho. Pedaços maiores ou menores são cortados para se criar o formato desejado, estendidos em camadas e o gesso aplicado por cima de tudo. O método de preparação preserva as partes e, por isto, cartonagens de papiro são importantes fontes de trechos manuscritos bem conservados. Em Tebas, no templo funerário de Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.), por exemplo, foram encontrados estes dois fragmentos de cartonagem, cujas fotos vemos nesta página. O primeiro apresenta a inscrição:
...da divina adoradora, Nespautytawy, filho (?) do administrador do tesouro da "Divina Adoradora de Amon" Nespaqashuty.
e no que aparece abaixo podemos ler:
...quarto sacerdote de Amon, Horsiese, verdadeiro de voz, filho de...
Há quatro períodos principais do uso da cartonagem no antigo Egito, cada um com materiais e usos distintos:
- No início do Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) as máscaras das múmias podiam ser feitas de linho aglutinado. Nos meados da XII dinastia (1991 a 1783 a.C.) as oficinas produziam máscaras maiores que cobriam a parte superior do corpo e havia, eventualmente, caixas de madeira envolvendo o corpo inteiro.
- No Terceiro Período Intermediário (c. 1070 a 712 a.C.) o sarcófago mais interno do sepultamento das elites foi substituído por um invólucro para a múmia feito em cartonagem (linho e estuque) e brilhantemente pintado. Não estavam mais em uso no Período Tardio (c. 312 a 332 a.C.).
- No Período Ptolemaico (304 a 30 a.C.), do reinado de Ptolomeu III (246 a 221 a.C.) até bem no início do Período Romano (30 a.C. a 395 d.C.), talvez não posteriormente ao reinado de Augusto (30 a.C. a 14 d.C.), elementos cartonados e máscaras eram produzidas de velhos rolos de papiro. Também durante esse período foram produzidas muitas máscaras e outros elementos com linho ao invés de papiro.
- No Período Romano, máscaras das múmias e peças decorativas colocadas nos corpos foram produzidas com material fibroso mais grosso, que suportavam uma camada também mais grossa de gesso.
Além das máscaras mortuárias propriamente ditas, outras partes do corpo podiam ser cobertos com as cartonagens. Isso incluia peitorais para o tórax; aventais que cobriam o abdómen e a parte superior das pernas, e coberturas para os pés. Estes itens podiam ser pintados para representar cenas e símbolos religiosos importantes, ou para se assemelharem às partes do corpo que cobriam, ou, ainda, às jóias que a múmia pudesse estar usando. O corpo humano dessecado e envolto nas bandagens e na cartonagem era colocado, então, dentro de um ataúde de madeira que, às vezes, era por sua vez instalado dentro de um sarcófago de pedra e o morto era sepultado em sua tumba.
Para criar um ataúde de cartonagem pintado, como este que vemos abaixo, o material
saturado de cola ou gesso era aplicado a um núcleo no formato da múmia, provavelmente feito de lama e palha. Depois da modelagem, enquanto as camadas da cartonagem ainda estavam flexíveis, era feita uma longa incisão na parte de trás e o núcleo era retirado. A múmia era posta dentro daquela espécie de concha dura por esta abertura e as duas extremidades eram atadas firmemente com cordel. Este tipo de ataúde era mais barato e mais fácil de fazer do que um de pedra ou madeira e, uma vez que a múmia estivesse lacrada em seu interior, a caixa não poderia ser removida sem quebrá-la. Isto evitava a reutilização de ataúdes por parte de sacerdotes mortuários inescrupulosos. Depois de coberta com gesso branco de excelente qualidade, a caixa de cartonagem era pintada. Neste exemplo, datado de cerca de 800 a.C. e pertencente ao sacerdote Nesperennub, a seção superior mostra o deus-Sol como um escaravelho com cabeça de falcão e asas, e duas deusas serpentes e os quatro filhos de Hórus ladeando o deus Seker logo abaixo. A seção inferior é dominada pelo emblema em forma de cúpula e emplumado de Osíris. O texto na frente da caixa diz: Uma oferenda que o rei faz a Osiris, de forma que ele possa dar vida ao Amado do Deus, aquele que faz libações em honra do deus Khons de Benenet, Nesperennub, filho de Ankhefenkhons igualmente titulado, justificado. Isto revela que Nesperennub e seu pai tiveram a mesma função, ou seja, trabalharam como sacerdotes no grande complexo religioso de Karnak.
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