QUANDO A CHEIA DO NILO baixava, as águas pantanosas, os charcos e os canais de irrigação fervilhavam com a presença de uma espécie de rã de cor verde-escuro (rana mascareniensis). Tinha como característica a grande velocidade de movimentação, a qual lhe era conferida pelas membranas natatórias muito desenvolvidas, e a facilidade de caçar insetos com a língua retrátil. Segundo a crença egípcia, tais anfíbios eram criaturas ancestrais que emergiram dos abismos quando se formou o universo. Aparecendo às centenas em certas épocas do ano, passaram a simbolizar fertilidade. Consideradas sagradas, as rãs foram amplamente representadas nos textos escritos e nos desenhos.
EM ANTINOÓPOLIS, UM DOS CENTROS DE CULTO DE KHNUM, o deus que criava os homens em sua roda de oleiro, sua esposa era a deusa Heqet, uma estranha divindade representada por uma rã ou por uma mulher com cabeça de rã, que estava associada à criação e ao nascimento das pessoas, sendo que esse casal de deidades assistia aos partos dos seres humanos. Ao indivíduo recém criado pelo marido, ela transmitia o sopro da vida, antes do feto ser colocado para crescer no útero da mãe. A aparência de rã de Heqet denunciava sua conexão com a água. Como deusa da água, ela era também uma deusa da fertilidade e, assim, particularmente associada com os últimos estágios do trabalho de parto. Era nesse sentido que suas sacerdotisas, as quais eram treinadas como parteiras, recebiam o título de Servidoras de Heqet.
ESSA ESTRANHA DEUSA RÃ é uma divindade bastante antiga que já aparece nos Textos das Pirāmides na função de ajudar o faraó a ascender aos céus. Ela também está associada com o mito de Osíris e aparece na representação do funeral daquele deus em Dendera, aos pés de seu ataúde. Dessa maneira, ela não é apenas uma deusa do nascimento, mas também da ressureição, em função de seus poderes de transmitir o sopro da vida. Amuletos de Heqet eram usados como proteção pelas mulheres na hora do parto. No decorrer do Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.), facas rituais de marfim e crótalos, um tipo de instrumento musical popular de percussão, apresentavam a imagem ou o nome da deusa como proteção para o lar. Essa divindade também estava associada à germinação dos grãos.
NA LOCALIDADE DE QUS, situada na região setentrional do Alto Egito, conhecida como Gesa ou Gesy pelos antigos egípcios e por Apollinopolis Parva no período greco-romano, e que deve ter sido uma cidade importante no início da história egípcia, os arqueólogos descobriram um templo dedicado a Heqet da época ptolomaica (304 a 30 a.C.), mas dele restou em pé apenas um pilone. Num túmulo de Tuna el-Gebel, localidade próxima da cidade que os gregos denominaram de Hermópolis, foi encontrado um texto que fala de uma procissão em honra de Heqet e nele a divindade pede que seu templo em Her-wer seja restaurado e protegido da inundação, mas esse templo ainda não foi localizado. Sabe-se, entretanto, que a deusa rã também era conhecida como Senhora de Her-wer.
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