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UM CORTESÃO Obviamente o faraó não governava sozinho. Um grupo de funcionários do palácio, uma espécie de conselho privado, ajudava o rei a comandar o país. Havia também os altos funcionários do império e uma aristocracia militar. E escribas por toda parte. Algumas das pessoas que privavam da intimidade do faraó podiam estar ligadas a ele por relações de parentesco, mas outros vangloriavam-se de serem de origem humilde e terem se destacado por seu próprio valor. Havia também aqueles que cresciam junto dos faraós e até alguns cujas mães haviam sido amas-de-leite do rei. Tais famílias tendiam a formar dinastias de funcionários, com filhos e netos sucedendo os pais e avôs nas funções exercidas. Foi assim com Hapu-seneb, vizir de Hatshepsut (c. 1473 a 1458 a.C.), que havia sido precedido no posto por seu avô; foi assim, também, com Rekh-mi-re, vizir de Tutmósis III (c. 1479 a 1425 a.C.), que sucedeu no cargo a seu tio paterno e a seu avô. A experiência nas questões da administração era uma qualidade rara e havia tendência dos altos cargos serem mantidos dentro de um seleto grupo relativamente pequeno. Ao lado vemos o portador de leque à direita do rei, vestido com um longo casaco branco, elegante, como convinha ao seu posto de alto funcionário, diretor dos bens e tesoureiro de Tutmósis IV (c. 1401 a 1391 a.C.). O fato de que seu nome foi martelado na base da estátua leva a pensar que se pretendia apagar, também, sua memória.

Levando-se em conta a essência divina do rei, concebia-se a natureza do faraó carregada de força e de magia, como aquela dos deuses. Há provas de que sua divina pessoa era normalmente intocável e ninguém podia aproximar-se dela. Por tal razão, nas primeiras dinastias as funções exercidas na corte real relacionadas diretamente à pessoa do rei, tais como penteá-lo, vesti-lo ou alimentá-lo, estavam reservadas originalmente aos filhos do faraó pois, em razão de sua origem, poderiam resistir melhor aos eflúvios mágicos que emanavam do soberano. Posteriormente, os titulares de tais cargos passaram a usufruir de um status social superior. Um cortesão da V dinastia (c. 2465 a 2323 a.C.), de nome Raour, narra nas inscrições de seu túmulo em Gizé que ele, por estar muito próximo do rei, foi ferido acidentalmente por um cetro real carregado de poder durante a coroação de Neferirkare (c. 2446 a 2426 a.C.). Para conjurar o perigo, o faraó fez um voto por sua saúde e a seguir decretou que o incidente fosse inscrito em sua tumba.

As principais funções na corte faraônica eram as dos dois Inspetores do Tesouro, relacionadas com o recebimento e a distribuição de matérias-primas e bens acabados, com o controle de butins de guerra, de tributos e de outros proventos. Cabia ainda à administração do tesouro supervisionar as grandes construções, providenciar a alimentação e os salários dos trabalhadores das obras. A gestão dos monopólios reais, como a exploração das minas e das pedreiras, ou ainda a preparação e a realização prática das expedições comerciais ao exterior eram encargos dos tesoureiros.

Também importante era o Inspetor dos Celeiros do Alto e do Baixo Egito, cuja responsabilidade recaia sobre a colheita, registro e armazenagem da produção anual de grãos e demais produtos agrícolas em todo o território egípcio. Era obrigação sua a alimentação do palácio, da corte, do corpo de funcionários, bem como do templo funerário do rei e de todo o conjunto da sociedade. Havia muitos outros postos na corte: o de Mordomo Chefe, o de Escriba das Provisões, o de Primeiro Arauto, Secretário e Despenseiro, além de vários camareiros, pagens e portadores de leques. O título de portador de leque à direita do rei foi conferido como posição honorífica aos funcionários mais graduados do país.

Durante o Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) havia dois cargos de especial importância. Um era o de Vice-rei de Kush, o delegado do faraó na Núbia e no Sudão até a quarta catarata. A sede de seu governo ficava em Aniba, 225 quilômetros ao sul da primeira catarata, de onde ele governava suas províncias em nome do faraó e com uma administração modelada naquela que era utilizada no Egito. Esse cargo servia com frequência de aprendizado e preparação para o príncipe herdeiro. O outro cargo era o de Primeiro Profeta ou Grão-Sacerdote de Amon em Tebas. Esse templo recebia tão grandes dotações e presentes dos faraós que qualquer um que administrasse tamanha riqueza, inevitavelmente se tornaria um homem poderoso dentro do país.

O principal funcionário abaixo do rei durante esse período, entretanto, ainda era o vizir, cujo cargo remonta ao alvorecer da história e persistiu até o século IV a.C. Nessa época geralmente havia dois vizires: um para o Baixo e outro para o Alto Egito. Rekh-mi-re, vizir que serviu sob as ordens do faraó Tutmósis III, deixou gravado em seu túmulo um relato detalhado de suas atribuições. Elas incluíam não só um relatório diário para o soberano sobre a situação do país, mas também a realização de julgamentos na Sala de Audiências, o recebimento e transmissão de instruções para os vários ramos do governo central e a implantação e revogação de decretos.

O cargo de vizir poderia ser considerado como o traço de união entre a administração central e as administrações regionais do Estado. O homem que o ocupava era responsável pela coordenação de todos os cargos administrativos, supervisionava os monopólios estatais e a economia e as finanças como um todo, além de ser a mais alta instância judiciária. Presidindo os colegiados distritais, fazia com que os testamentos fossem cumpridos e supervisionava a medição dos campos. Uma das principais atribuições de um vizir era a de controlar o recolhimento das taxas em todo o país, mas ele também mobilizava o corpo de guarda pessoal do faraó; zelava pelo abate de árvores e pela irrigação em geral; orientava os chefes locais no cultivo de verão; fazia uma inspeção semanal dos recursos hídricos; controlava as necessidades de renda dos templos e determinava os valores das taxas a serem recolhidas.

Além de tudo isso, ainda administrava o exército no interior do país, verificava o estado das fortalezas nas fronteiras; tomava medidas efetivas contra ataques de ladrões e nômades e zelava pelos armamentos das embarcações. Casos importantes de disputas civis eram enviados a ele pelas cortes de menor nível e então resolvia questões de disputa de terras e testamentos, bem como casos criminais que requeriam sentenças mais rigorosas, tudo em virtude de sua autoridade como Chefe de Justiça. Recebia embaixadores estrangeiros e supervisionava as oficinas e os trabalhos de construção, inclusive as do túmulo real. Não sem razão, portanto, recebia títulos de Diretor da Política, Conselheiro Secreto de Todas as Ordens do Rei e de Diretor de Todo o País, entre outros, os quais reafirmavam seu papel de representante do rei na ausência dele.

Ao nomear esses funcionários de elevada categoria os faraós costumavam enfatizar que aquela função era o sustentáculo do país e que, ao invés de ser doce, era amarga como fel. Alertavam ainda o novo ocupante do cargo para que nunca o ocupasse para atender aos seus próprios interesses e para que jamais demonstrassem favoritismo por quem quer que fosse. Somente um comportamento que atendesse aos interesses do rei e do Estado poderia ser útil à vida profissional de um indivíduo. Por outro lado, entendiam os reis que tais funcionários deviam ser bem recompensados, pois caso contrário estariam abertos à corrupção. Aos que se destacavam em suas atribuições o faraó outorgava o ouro da honra e recebê-lo era um dos mais importantes acontecimentos da carreira de um funcionário. A entrega de tais condecorações, representadas sobretudo nos túmulos do Império Novo, era feita pelo próprio rei. Nos relevos o faraó aparece, a maioria das vezes acompanhado da esposa, proferindo palavras elogiosas na janela da aparição de seu palácio, ou colocando ele mesmo um colar de ouro no pescoço de seus funcionários.