Na prática um faraó precisava ser casado para que sua rainha legítima lhe desse um herdeiro. Além disso, essa mulher assumiria várias outras responsabilidades perante o povo egípcio. Os faraós tinham muitas mulheres e as famílias reais eram grandes. Em realidade, poder-se-ia dizer que o rei do Egito tinha famílias em vários níveis diferentes, de acordo com o posicionamento hierárquico de suas mulheres. Não havia cerimônias de casamento e a rainha principal era a que mais se aproximava do nosso conceito atual de esposa. Apenas os filhos dessa esposa principal do rei e de algumas das mulheres secundárias por ele favorecidas teriam a oportunidade de se tornarem faraós.
Teoricamente o faraó podia se casar com uma cidadã comum, ou seja, com quem bem quisesse, mas a esposa mais adequada para um rei do Egito era a filha de um rei do Egito. Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.) foi um dos maiores defensores dessa tradição. Ele teve oito esposas e cerca de uma centena de filhos e se casou, inclusive, com nada menos do que quatro de suas filhas. Tais relações incestuosas entre pais e filhas ou entre irmãos e irmãs não eram vistas como as vemos hoje. Os próprios deuses já haviam dado o exemplo como nos casos de Shu e Tefnut, Geb e Nut, ou no caso mais clássico de Osíris e Ísis. O costume era bem antigo e muito anterior ao tempo daquele faraó.
Na prática, as filhas do rei tinham poucas possibilidades de contrair matrimônio. Não era permitido que casassem com pessoas inferiores à sua posição social, ou mesmo com membros de outra realeza que não fosse a egípcia, para que se evitasse reivindicações indesejadas ao trono no futuro. As únicas oportunidades de matrimônio para elas parecem ter sido a de se casarem com príncipes ou com o próprio rei. Na realidade muitas princesas viveram todo o tempo sem um companheiro. Obviamente, não era para não ficarem solteiras que casavam com os próprios pais. O objetivo era o fornecimento de um herdeiro legítimo para o trono e a manutenção da pureza do sangue real. Além disso, assegurava-se que uma princesa adequadamente treinada fosse colocada no papel mais importante disponível para uma mulher egípcia: o de rainha. Eram essas metas que faziam com que os reis se casassem frequentemente com mulheres da própria família, como uma irmã, uma meia-irmã ou até mesmo uma filha.
É errôneo pensar, para satisfazer nossos sentimentos ocidentais, que os matrimônios entre pais e filhas eram meramente simbólicos. Não era esse o caso. A primeira filha com a qual Ramsés II se casou, por exemplo, deu-lhe pelo menos um filho e temos exemplos de outros reis que tiveram prole com suas filhas. Um caso que talvez surpreenda, por ser pouco conhecido, é o de Ankhesenamom, esposa de Tutankhamon, vistos na ilustração acima. Antes de se tornar esposa desse famoso faraó após a morte de seu pai Amenófis IV (c. 1353 a 1335 a.C.), ela deu um filho a esse último. Aliás esse rei, mais conhecido como Akhenaton, também teve filhos com pelo menos duas outras de suas seis filhas: Meryt-Aton, a mais velha, lhe deu uma filha e Maket-Aton, a segunda filha do rei, morreu no parto.
Em algumas situações o pai se casava com uma filha como se ela fosse uma espécie de substituta da mãe que havia falecido. Em outros casos, entretanto, mãe e filha eram casadas com o faraó ao mesmo tempo. Não parece que em tais casos a filha tenha suplantado a própria mãe, mas sim que ambas passavam a agir em conjunto. Parece mais que a filha agia como representante da mãe, substituindo sua velha genitora quando preciso. Nessa substituição, acreditam alguns egiptólogos, o papel de geradora de uma criança que viria a ser o futuro herdeiro estava incluído, mormente se a rainha já houvesse passado da idade de conceber um filho. Sem nenhuma dúvida, as filhas do faraó podiam assumir, em certas circunstâncias, o importante papel de rainhas e Ramsés II, depois de ficar viúvo duas vezes, chegou a ter três delas nessa situação ao mesmo tempo.
Numa época na qual a população mundial era pequena e as crianças morriam ao nascer ou em tenra idade, a fertilidade humana crescia de importância. Para o faraó a preocupação nesse sentido era ainda maior, pois ele necessitava gerar um herdeiro para o trono do Egito. Os estudos apontam que, provavelmente, a terça parte de todas as crianças nascidas no país não chegava aos 15 anos de idade. Assim, apesar do faraó contar com inúmeras esposas, não era sempre fácil ter um filho homem que se tornasse rei. Um faraó que gerasse muitas crianças, principalmente homens que pudessem assumir em seu lugar, podia se sentir orgulhoso. Entretanto, as mulheres do harém eram muitas vezes parentes muito próximas do rei e até suas irmãs. O resultado é que nem todas essas mulheres tiveram filhos do rei; muitas estavam engajadas em fiar, tecer e executar outros afazeres domésticos dentro dos vários palácios ao longo do Egito.
A corte egípcia encarava como fato indiscutível que era a rainha que transmitia ao infante real o direito divino ao trono. Esse conceito implicava — explica a egiptóloga francesa Christiane Noblecourt — que ela própria fosse filha de um faraó; então, através de sua união com um pretendente ao trono, não herdeiro direto, ela podia transmitir o sangue real solar aos filhos do novo soberano. A conseqüência desse princípio era evidentemente o casamento consangüíneo real entre o irmão e a irmã do mesmo leito do faraó; isso era materializar ao pé da letra o que havia sido atribuído ao comportamento dos deuses. O casamento da filha do rei com seu meio-irmão já era suficiente para investir seu cônjuge do poder faraônico. As famílias reais permaneceram, sempre que possível, fiéis a esses costumes. Mas houve várias exceções das quais a mais notável foi o casamento de Amenófis III (c. 1391 a 1353 a.C.) com Teye, uma plebéia, filha de um sacerdote e de uma sacerdotisa, que o faraó investiu do mais alto título da corte, o de Grande Esposa Real. E, diga-se de passagem, a influência dessa imperiosa e sedutora mulher de tipo núbio parece ter sido excepcional.
Filhas de reis estrangeiros casaram-se algumas vezes com faraós egípcios por razões diplomáticas, mas não se cogitava da ascensão ao trono dos filhos de tais matrimônios. Enviadas ao Egito por seus pais como símbolo da paz e fraternidade existente entre os dois soberanos, eram grandemente honradas e respeitadas. Do pai da noiva se esperava que enviasse um dote generoso e do faraó era aguardada uma magnífica recompensa pelo envio da moça. Às vezes, demoradas negociações eram necessásias para que se chegasse aos presentes mutuamente aceitáveis. Quando, por exemplo, Amenófis III recebeu sua noiva mitaniana chamada Gilu-Khepa, filha de Shuttarna II, rei do Mitani, ela veio acompanhada de um séquito de 317 mulheres. Quando o rei mitaniano faleceu, seu sucessor também enviou sua filha ao faraó, pois tais casamentos tinham o objetivo de estreitar laços de amizade entre soberanos, não entre nações.
É ainda Noblecourt que afirma: Os herdeiros da coroa devem ser filhos da Grande Esposa Real; se eles são apenas filhos do rei, nascidos de uma mulher secundária, é-lhes necessário então, para reforçar seu "potencial sobrenatural", desposar sua meia-irmã, filha do verdadeiro casal faraônico. Se isso não acontecer, é preciso recorrer aos clássicos subterfúgios aos quais os sacerdotes se prestam de muito bom grado como, por exemplo: reconhecimento e autenticação do príncipe herdeiro pelo oráculo do deus. (...) As filhas reais desempenhavam, portanto, um papel muito importante.
Rei e rainha desempenhavam cada um o seu papel em igualdade de condições. Assim aparecem, por exemplo, Miquerinos (c. 2490 a 2472 a.C.) e sua esposa Kamerernebti em um magnífico grupo em xisto, de tamanho natural, lado a lado, da mesma altura, o olhar voltado para o infinito. Tanto no Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.) quanto no Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) os vestígios dos templos mostram a importância do papel da rainha através de sua representação monumental ao lado do soberano. Elas atuavam como conselheiras do rei, o que lhes fornecia a experiência necessária para, eventualmente, se tornarem regentes ou tutoras dos filhos. Durante o Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) a situação não foi diferente e a XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.) ultrapassou as demais épocas no sentido de reconhecer e admitir a influência da mulher. Teye, a esposa de Amenófis III e Nefertiti, a esposa de Akhenaton, por exemplo, receberam uma preeminência artística fora do comum. Nas estátuas em que estão juntos, tanto Teye quanto seu marido aparecem de tamanho colossal, sentados lado a lado. Ela não surge agarrada às pernas do faraó como se fosse um indivíduo relativamente insignificante e, por isso, representado em tamanho pequeno. Além do mais, um lago foi construído para que ambos — faraó e rainha — pudessem navegar na barca real chamada Fulgores de Aton. Já Nefertiti e o marido aparecem juntos distribuindo recompensas aos cortesãos ou, com grande pompa, em pé numa carruagem puxada por cavalos a galope pelas ruas da capital, beijando-se ternamente, rosto contra rosto.
Se havia ou não momentos de intimidade entre um faraó e seus filhos, ou se havia grande amor entre o rei, sua esposa e seus filhos são questões para a qual não temos as respostas. Para as crianças típicas do harém real e, particularmente, para aquelas geradas por esposas secundárias, a intimidade só deve ter sido compartilhada entre as mães e as crianças. Isso, provavelmente, também ocorria com os filhos das rainhas principais embora, às vezes, possa ter acontecido que pai, mãe e filhos tenham se comportado como uma família unida. Sobretudo aos reis guerreiros, que viviam viajando ao longo do rio Nilo ou para outros países em campanhas militares, pouco tempo deveria sobrar para se dedicarem à família e formar laços de paternidade. Embora o fato de alguns faraós terem erguido monumentos e templos para suas esposas e filhos possa ser prova de intensa afeição, alguns aspectos desses esforços parecem ser meramente destinados à promocão e deificação do próprio rei. Veja-se, por exemplo, o caso de Ramsés II que construiu um templo em Abu Simbel dedicado a Nefertari e colocou imagens monumentais dela na fachada, mas não se esqueceu de reservar as paredes internas do monumento para si próprio. O caso de Akhenaton parece ter sido bem diferente e existem várias representações do seu tempo que ilustram considerável intimidade familiar entre ele, sua esposa Nefertiti e suas filhas. Um bom exemplo está na ilustração que vemos acima, na qual o casal e duas de suas filhas aparecem juntos adorando o deus Aton.