O túmulo de Tutankhamon continha mais de 80 sandálias de formatos e tamanhos diferentes, em vários estágios de conservação. O calor e a umidade da tumba não colaboraram para a preservação do material. As que eram feitas de couro foram as que mais se estragaram. Algumas eram simplesmente costuradas. Outras eram decoradas elaboradamente, ornamentadas de ouro, jóias, contas coloridas. Outras, ainda, eram sapatos abertos de cores brilhantes. E esses são os únicos exemplares que existem dos calçados reais do Egito antigo. Trata-se de uma coleção surpreendente, principalmente se levarmos em conta sua antiguidade que beira os 3300 anos. O fato é que os faraós usavam sandálias de couro ornadas de turquesas e de rubis, ou até mesmo com solado e correias de ouro. Curiosamente as sandálias não eram calçadas propriamente para o ir e vir, mas apenas nos momentos convenientes. O faraó Narmer (c. 3000 a.C.), por exemplo, andava descalço e um dos criados de sua escolta carregava-lhe as sandálias. Tais calçados são descritos assim por Pierre Montet: Da ponta da sola partia uma correia que passava entre o primeiro e o segundo dedo do pé e se reunia no peito do pé a outras correias que formavam uma espécie de nó e apertavam no calcanhar. Em outras palavras: os egípcios foram os primeiros a usar as "legítimas Havaianas".
Estátuas e estatuetas da tumba de Tutankhamon mostram-no usando sandálias douradas, como as que vemos no alto da página. São feitas de madeira revestida com camadas de marchetaria e folhas de ouro sobre uma base de estuque. Esse tipo de calçado desconfortável provavelmente era utilizado quando o faraó estava sendo carregado. O solado externo é coberto com estuque branco. O solado interno é decorado com fileiras de cortiça branca cobertas com folhas de ouro e tiras de cortiça vermelha e branca. A correia dianteira é confeccionada com um núcleo de madeira, ao redor do qual existe uma camada de gesso. A correia da parte de trás é feita de couro cru e também elaboradamente decorada. Ambas são ornamentadas com desenhos que se repetem e folheadas a ouro. No solado interno vemos figuras de cativos negros e asiáticos amarrados com talos de lótus e papiro. Acima e abaixo dos prisioneiros existem grupos de quatro arcos que, junto com os cativos, representam os nove inimigos tradicionais do Egito, os quais o rei simbolicamente esmagava ao usar o calçado. A foto acima mostra outra visão do mesmo calçado.
Pelo menos três pares de sapatos achados na tumba de Tutankhamon têm correias horizontais bem no ponto onde os artelhos terminam. Esta correia não aparece em qualquer outro calçado antigo, seja ele sandália ou sapato. A correia pode ter sido uma solução para segurar a sandália nos pés do rei pelo fato deles serem malformados. Seria, portanto, uma correia ortopédica. Caso a deformidade do pé fosse grande, ele provavelmente andaria arrastando o sapato no chão e a correia firmemente apertada manteria o calçado no lugar. Com sola revestida de couro, coberta com uma fina folha de ouro, a sandália tem uma lateral formada por uma camada de couro e uma camada de contas. Seis trançados de contas minúsculas com formato de discos presas a uma camada de couro formam a correia que aperta o pé, enquanto que a correia que fica entre os dedos foi feita de um cilindro de filigranas de ouro preenchido com couro. A correia traseira foi graciosamente enfeitada com 12 margaridas douradas em um mosaico de fundo azul de lápis-lazúli. Na extremidade inferior da correia traseira há cabeças de pato feitas de ouro.
Estas sandálias também possuem uma correia horizontal apertada. A correia foi feita de uma camada de couro e treliça de fio de ouro fino. A sola é feita de couro, com uma fina folha de ouro como se fosse uma palmilha. Uma camada de fios de ouro e contas em formato de diamantes formam as laterais. Ao redor das correias semi-circulares em cada lateral do sapato há uma fileira de contas de ouro, cornalina, lápis-lazúli e amazonita. O formato sem igual destas sandálias não aparece em qualquer outro calçado do Egito antigo.
Essas sandálias aparentemente simples, feitas de folhas de palmeira, grama e papiro costurados, eram itens dos mais importantes. Eram símbolos de status e usadas apenas por indivíduos da elite que haviam sido recompensadas pelo rei e pela realeza. Tais calçados eram tão significativos que foram imitados até mesmo em ouro. A múmia de Tutankhamon ao ser descoberta, por exemplo, usava sandálias de ouro baseadas neste modelo de sapato. Havia quatro tipos de sandálias costuradas feitas com fibras às quais os egiptólogos se referem como tipos A, B, C, e D. O tipo C difere dos outros na forma da sola e das correias e por apresentar uma ponta ligeiramente virada para cima na parte dos dedos. Esse modelo só era usado pela realeza, ou por aqueles dos altos círculos sociais. Elas são muito mais delicadas e apresentam uma sola muito fina e costura de ótima qualidade. As sandálias do tipo A tinham uma sola muito mais grossa e eram costuradas de forma muito mais grosseira. Elas apresentam uma frente maior que termina com formato arredondado na parte dos dedos e foram usadas pela classe social mais baixa. As divindades não usavam sapatos: normalmente eram representados descalços.
Um achado inesperado na tumba de Tutankhamon foi o de quatro pares de meias feitas com um entalhe para a correia entre os dedos do pé. Costuradas com fio de linho, tinham duas camadas de tecido: um mais grosso no exterior e outro de melhor qualidade internamente, onde fazia contato com a pele real. Elas eram mantidas no lugar presas na panturrilha da perna por duas tiras de linho.
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