Os egípcios enterravam seus mortos na banda ocidental do rio Nilo, pois lá — acreditava-se — o sol iniciava sua jornada noturna através do mundo dos mortos. Assim, no deserto ocidental instalaram-se imensas necrópoles, nas quais as pirâmides, os templos mortuários e os túmulos abertos em plena rocha eram edificados e mantidos por aqueles com posses suficientes para arcar com os altos custos destes empreendimentos. Parentes, amigos e um enorme contingente de carpideiras levavam o morto até sua última morada, por terra e atravessando o rio em barcas, e o cortejo terminava com cerimônias que podiam incluir até mesmo um banquete funerário.
O enterro de um egípcio rico era um acontecimento que para nós pareceria lúgubre e pitoresco ao mesmo tempo. Os familiares do morto não se importavam em oferecer um verdadeiro espetáculo por onde passavam e iam gesticulando e soluçando durante todo o trajeto. Para que a dor que todos sentiam ficasse ainda mais patenteada e ninguém tivesse dúvidas a respeito, carpideiras profissionais eram devidamente contratadas. De rosto pintado com lama, peito desnudo e vestes rasgadas, não cessavam de gemer e de bater nas próprias cabeças em patético quadro de desespero. Na foto acima uma cena do túmulo do vizir Ramósis, que viveu durante o reinado de Amenófis IV (c. 1353 a 1335 a.C.). Para ver outra cena com carpideiras, de uma tumba da XI dinastia (c. 2134 a 1991 a.C.), clique aqui.
Conforme nos esclarece o egiptólogo Pierre Montet, o cortejo fúnebre assemelhava-se muito a uma mudança de domicílio. Um primeiro grupo de criados transportava bolos e flores, jarras de cerâmica, vasos de pedra e caixas que continham figurinhas e o restante material, suspensas das extremidades da vara de transporte.
Um grupo mais numeroso encarregava-se do mobiliário habitual, cadeiras, leitos, cofres e armários e não se esquecia o carro. Os enfeites pessoais, as caixas de vasos canopos, as bengalas, os cetros, as estátuas, os guarda-sóis eram confiados a uma terceira equipe. Jóias, colares, falcões ou abutres de asas abertas eram expostos em pratos ou transportados ostensivamente como se não se receassem os numerosos basbaques que viam passar o cortejo. O sarcófago desaparecia num catafalco puxado por uma junta de vacas e por alguns homens. Este catafalco era composto por estrados móveis de madeira ou de uma estrutura de onde pendiam cortinas de um tecido bordado ou cortinas de couro. Era colocado em cima de uma barca, enquadrado por estátuas de Ísis e de Neftys, e a própria barca era colocada sobre um estrado rolante.
Todo esse cortejo se dirigia às margens do rio Nilo onde uma flotilha completa o esperava. O barco principal possuía uma vasta cabina com interior atapetado de tecidos bordados e tiras de couro e nela se instalava o catafalco e as estátuas das duas deusas. Um sacerdote, com uma pele de pantera sobre os ombros, queimava resina. Na barca que transportava o morto um único marinheiro sondava as águas com uma longa vara, enquanto a embarcação era rebocada por outra barca com numerosa tripulação e na qual as carpideiras se instalavam no teto de sua ampla cabina para, de seios nus, continuarem as lamentações, sempre batendo nas próprias cabeças. Nas demais barcas do cortejo, geralmente em número de quatro, embarcavam os familiares do morto e todo o mobiliário fúnebre. A viúva lamentava-se:
Ó meu irmão, meu esposo, meu amigo, fica, permanece no teu lugar, não te afastes do sítio onde resides. Ai, tu afastas-te a fim de atravessares o Nilo. Ó marinheiros, não vos apresseis, deixai-o! Vás regressareis a vossas casas, mas ele parte para o país da eternidade.
Na outra margem do Nilo o cortejo já era esperado. Haviam sido montadas pequenas lojas que ofereciam inúmeros objetos piedosos para aqueles que não os tivessem adquirido na cidade. Desembarcavam todos e o cortejo fúnebre se reconstituia, mais ou menos na mesma ordem. Em locais de difícil acesso as vacas eram desatreladas e o catafalco era transportado pelos homens. Um sacerdote os precedia aspergindo o seu hissope sobre o caixão e mantendo um turíbulo acesso sempre voltado em direção ao morto, enquanto entoava os cantos rituais.
Finalmente o cortejo chegava diante do túmulo. O caixão era colocado no chão e uma mulher o envolvia com seus braços, enquanto os familiares do morto e as carpideiras batiam nas próprias cabeças com mais violência do que antes. Agora os sacerdotes tinham um trabalho importante a realizar. Pierre Montet descreve:
Nesta altura já eles tinham disposto sobre uma mesa não só os elementos de uma refeição, pão e canecas de cerveja, mas também alguns estranhos instrumentos, uma machadinha curva, um cutelo que tinha a forma de uma pluma de avestruz, a imitação de uma perna de boi, e uma paleta terminada por duas volutas. Estes instrumentos iam servir ao sacerdote para mudar os efeitos do embalsamamento e para restituir ao defunto o uso dos seus membros e de todos os seus órgãos. O defunto tornava a ver. Abriria a boca para falar e para comer. Poderia mover os braços e as pernas.
Depois das últimas lamentações da esposa do morto, o sarcófago e todo o mobiliário fúnebre era instalado na sepultura. O catafalco — continua Pierre Montet— estava agora vazio. Os sacerdotes que o tinham alugado para a cerimônia levavam-no para a cidade onde outros clientes o reclamavam já. Instalava-se o caixão mumiforme na cavidade de pedra, de forma retangular, que fora, com muito tempo de antecedência, talhada, esculpida e preparada. Um certo número de objetos, de bengalas e de armas, talvez ainda alguns amuletos, eram colocados em volta dele, depois a pesada tampa de pedra era arrastada para cima da cavidade. Perto do sarcófago depunha-se a caixa de vasos canopos, os cofres para objetos de uso litúrgico e todo o resto do mobiliário. Sobretudo era preciso não esquecer o que seria de maior utilidade ao morto, as suas provisões de comida. Quando o sepulcro de pedra estava completamente arranjado, o sacerdote e os seus coadjutores nada mais tinham a fazer e retiravam-se. O pedreiro murava a porta.
Mesmo depois de vedado o túmulo a cerimônia ainda não se encerrava. O esforço da caminhada e do carregamento dos objetos abrira o apetite de todos. Previdentes, haviam trazido provisões não apenas para o morto, mas também para os vivos. As pessoas reuniam-se, então, no próprio túmulo ou em suas imediações e realizavam um banquete funerário. Enquanto isso, um harpista tocava seu instrumento e cantava, lembrando ao morto que tudo fora feito para deixá-lo em excelentes condições em sua casa da eternidade. Depois do banquete todos retornavam aos seus lares mais alegres do que quando tinham vindo.
Nos funerais das pessoas humildes as coisas se passavam de maneira diferente. O caixão era transportado para um velho túmulo abandonado. Nesse túmulo, — explica Pierre Montet — empilhavam-se caixões até ao teto. Mas a múmia não estava completamente desprovida de tudo o de que necessitava no outro mundo. No caixão colocavam-se alguns utensílios, sandálias de papiro entrançado, anéis de bronze ou de faiança, braceletes, amuletos, escaravelhos e figurinhas de divindades, também de faiança. Havia pessoas ainda mais pobres. A estes esperava-os a vala comum. Nessa vala, lançavam-se as múmias envolvidas numa tela muito grosseira. Cobriam-nas com um pouco de areia e passava-se apressadamente a outro enterro.
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