Não começou ontem a procura por câmaras ou passagens escondidas no interior das pirâmides egípcias. Esse assunto vem interessando o homem há centenas de anos. A idéia de que talvez seja possível encontrar tesouros ocultos, ou os projetos da construção dos monumentos, ou ainda informações científicas, ou até mesmo artefatos de uma cultura perdida, tem motivado os homens a buscarem câmaras ocultas nas misteriosas pirâmides. No passado, porém, a única maneira de fazer isso consistia em perfurar as paredes e esperar que a sorte pudesse revelar alguma passagem até então invisível. Na realidade, essa técnica foi usada e os exploradores deixaram suas marcas de destruição sem nada descobrirem de significativo. Hoje em dia, entretanto, temos modernos instrumentos científicos para nos ajudar nessa tarefa.
As tentativas realizadas no século XX usaram, entre outros meios, magnetismo e ondas sonoras com pouco sucesso. Um renomado cientista, o Dr. Luis Alvarez, ganhador do Prêmio Nobel de física em 1968, desenvolveu e empregou uma sonda de raios cósmicos, cuja foto vemos acima. Ele projetou esse equipamento especificamente para registrar os raios cósmicos que atravessam a alvenaria da pirâmide. A base teórica da experiência é o fato de que os raios cósmicos, os quais bombardeiam nosso planeta o tempo todo, vindos do espaço, perdem energia proporcionalmente à densidade e espessura dos objetos que atravessam. A idéia era a de usar detectores de raios cósmicos na câmara conhecida da pirâmide para descobrir a densidade da estrutura acima dela. As informações coletadas seriam registradas em fitas magnéticas e analisadas por computador. Os raios atravessariam, em média, cerca de 100 metros de blocos de pedra calcária e, teoricamente, se eles cruzassem um espaço vazio na estrutura do monumento, o equipamento registraria um valor ligeiramente maior de energia do que aquele que seria indicado quando os raios passassem por áreas sólidas. Se tal leitura surgisse, os investigadores planejavam perfurar um orifício na pedra calcária e, usando equipamento óptico, descobrir o que havia dentro.
Alvarez foi de opinião de que seria mais provável encontrar câmaras secretas na pirâmide de Kéfren do que na Grande Pirâmide. Ele raciocinou que tendo sido a pirâmide de Kéfren construída depois da de Kéops, deveria possuir um plano arquitetural interior mais sofisticado e concentrou naquele monumento os seus estudos. Doze agências governamentais, inclusive a Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos, participaram das pesquisas e, portanto, a equipe dispunha de suficientes recursos técnicos e financeiros para a empreitada. A esperança era a de que se pudesse encontrar, em uma inviolável galeria oculta, um sarcófago lacrado contendo a múmia do faraó.
Os técnicos, em setembro de 1968, gravaram em fitas magnéticas especiais a trajetória de milhões de raios cósmicos. O material foi analisado por um computador no Cairo. Foi possível perceber claramente a localização das faces, das bordas e dos cantos da pirâmide, mas não foi encontrada qualquer câmara oculta. Os procedimentos foram repetidos e aí surgiu a surpresa: cada vez que as fitas eram reanalisadas surgia um padrão diferente e importantes características que deveriam se repetir em cada uma das gravações, não surgiam. Em outras palavras, de um día para o outro, de uma hora para outra, a pirâmide parecía ser diferente. Os técnicos chegaram a afirmar, talvez um pouco exageradamente, que aquilo desafiava todas as leis conhecidas da física. O material foi enviado aos Estados Unidos e um equipamento altamente sofisticado da Califórnia apresentou os mesmos resultados. Os especialistas admitiram na ocasião que os resultados obtidos pareciam ser cientificamente impossíveis e afirmaram que só duas causas poderiam provocar tais anomalias: 1) haveria um erro substancial na geometria da pirâmide que afetou os registros; 2) dentro do monumento atuaria uma força misteriosa que desafiava as leis da ciência.
Posteriormente se concluiu que não havia nenhum mistério no caso. O programa de computador confiou em medidas extremamente precisas da geometria da pirâmide, bem como num posicionamento exato dos dispositivos de coleta de dados. Porém, havia problemas com algumas destas medidas e isso, aparentemente, provocou as anomalias. Quando foram feitos os ajustes necessários dos dados, o interior da pirâmide revelou-se inteiramente sólido. Embora tivessem explorado apenas 19% do volume total da pirâmide de Kéfren, em 1970 os pesquisadores sentiram-se seguros para afirmar que caso ali existissem câmaras de tamanho equivalente àquelas existentes na pirâmide de Kéops, os sinais que seus equipamentos detectariam seriam enormes. Portanto, concluíram, podemos dizer com segurança que nenhuma câmara com volume semelhante às quatro câmaras conhecidas das pirâmides de Kéops e Snefru existem na massa de pedra calcária investigada por absorção de raios cósmicos.
Cinco anos mais tarde, em 1973, Luis Alvarez estava convencido de que era improvável a existência de uma câmara oculta dentro da estrutura da pirâmide de Kéfren acima da sua base. Mas também achava que por baixo dela alguma coisa poderia ser encontrada. Foi então que fez contato com o físico Lambert Dolphin, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e lhe disse que estava em busca de um novo método que lhe permitisse ver por baixo das pirâmides e ainda explorar monumentos mais complexos como, por exemplo, o de Kéops. Alvarez sugeriu ao físico que tentasse construir um radar que pudesse penetrar no sub-solo, o que possibilitaria não apenas explorar as pirâmides, mas também procurar tumbas escondidas em Saqqara e no Vale dos Reis. Dolphin não se fez de rogado e em breve sua equipe havia desenvolvido um sistema de radar portátil adequado ao propósito. Em consequência, em 1974, um grupo de técnicos da Universidade de Stanford, dos Estados Unidos, e da Universidade Ains Shams, do Egito, tentou achar câmaras escondidas usando o equipamento de sondagem eletromagnética que fora criado especialmente para a missão. Na foto acima vemos parte da aparelhagem, instalada em uma das câmaras da pirâmide de Kéfren. Seu princípio se baseia no uso da propagação das ondas de rádio.
Amostras de pedra calcária da pirâmide haviam sido testadas em laboratório e tudo levava a crer que o material, apresentando baixas perdas de rádiofreqüências, seria altamente receptivo à penetração de radar. Mas, chegando no Egito, os cientistas perceberam que as pirâmides estavam carregadas de umidade e sal. Descobriram que todas as pedras calcárias tinham alto teor de argila. Quanto maior a umidade, maiores as perdas de rádiofreqüência e, assim, os sinais de radar só conseguiram penetrar nas pirâmides até uma profundidade de cerca de 60 centímetros. As experiências mostraram que a área rochosa de Gizé apresenta perdas muito altas de rádiofreqüência de forma que a sondagem por radar fica limitada, para todos os propósitos práticos, a profundidades de apenas alguns metros, mesmo quando é empregada uma freqüência operacional otimizada. Essa perda inesperadamente alta dos sinais do radar é devida à alta porosidade e baixa qualidade da pedra calcária, já que essa também poderia ser classificada como um arenito de granulação fina, e à alta umidade ambiente, de cerca de 75% a 85%, do Vale do Nilo. O ar úmido que sopra vindo do Mediterrâneo mantém as pedras calcárias do planalto de Gizé umidecidas durante o ano todo e o alto nível do lençol de água do Nilo sobe pela rocha porosa trazendo consigo sais e minerais. Infelizmente, as condições não são melhores no Vale dos Reis e os pesquisadores foram obrigados a admitir que o equipamento que usavam não seria adequado para achar câmaras escondidas, faraós perdidos ou a tumba de Alexander o Grande, como esperavam.
Os técnicos não se deram por vencidos. Durante a experiência, perceberam que a sondagem acústica poderia complementar a sondagem eletromagnética do radar, porque ondas sonoras viajam bem em pedras porosas e úmidas sob condições nas quais as ondas eletromagnéticas geralmente não o fazem. Ondas sísmicas de pequenas cargas explosivas, por exemplo, são habitualmente usadas em larga escala pela indústria geofísica para exploração de óleo e minérios. Porém, até a data daquelas experiências, nenhuma instrumentação desse tipo que fosse satisfatória para uso em arqueologia era conhecida. Os pesquisadores desenvolveram e testaram, então, um sistema para uso no Egito. Eles reconheciam que nenhum sistema sensor isoladamente poderia atender a todos os propósitos e que o uso simultâneo de dois ou mais sistemas sensores multiplicaria a efetividade do trabalho de pesquisa arqueológica. Por isso, a equipe empregou sondagem acústica, medição de resistividade elétrica e magnetometria de próton para uma variedade de tarefas de exploração. Fotografias aéreas e imagens térmicas infravermelhas também foram usadas para ajudar na interpretação dos resultados.
Embora a equipe do professor Luis Alvarez tivesse concluido ser improvável que exista qualquer câmara oculta acima do leito rochoso no corpo principal da pirâmide de Kéfren, ninguém sabe se existem câmaras adicionais dentro da pirâmide de Kéops, se há covas de barcos ao redor da pirâmide de Miquerinos ou se há câmaras debaixo das pirâmides ou sob o pavimento circunvizinho delas, ou mesmo ao redor da Esfinge. Um dos métodos empregados pela equipe de Lambert Dolphin, a medição da resistividade elétrica da terra, vem sendo usado de há muito como ferramenta geofísica na investigação das condições do subsolo. Desenvolvido originalmente como meio de explorar depósitos minerais e de óleo a grandes profundidades, esse método também achou aplicação no delineamento do que quer que esteja enterrado próximo da superfície e que tenha resistividade diferente daquela do solo circundante. Essa tecnologia explora as diferenças de condutividade elétrica das estruturas arqueológicas com relação à terra circunvizinha. As diferentes propriedades elétricas da estrutura comparadas com as da terra determinam o aparecimento de anomalias de resistividade. Estruturas como paredes e fundações são más condutoras, enquanto que sepulturas, poços e covas são normalmente bons condutores. Muitos tipos diferentes de eletrodos são usados, de acordo com o tipo de estrutura arqueológica, sua dimensão e sua profundidade. O objetivo do trabalho no Egito era detectar túneis ou tumbas localizadas a pouca profundidade, dos quais se poderia esperar que produzissem anomalias bem definidas do ponto de vista da resistividade. O equipamento que mede a resistividade é formado por uma fonte controlada de corrente elétrica e um dispositivo que mede as diferenças de potencial geradas pela passagem da corrente através da terra.
Os técnicos traçaram perfis da resistividade em setores ao redor das três pirâmides principais de Gizé, com maior ênfase na de Kéfren, onde foram levantados dados em todos os quatro lados e em seu interior. A foto ao lado ilustra uma etapa desse trabalho. Várias anomalias foram localizadas durante o trabalho ao redor do monumento, inclusive uma no lado ocidental mais tarde identificada como uma tumba que tinha sido descoberta em 1966. A anomalia era consideravelmente maior do que se esperaria de uma tumba das dimensões descritas por seu descobridor e parece indicar a existência de câmaras ainda inexploradas nas redondezas do achado original. Por outro lado, foram detectadas várias anomalias na profundidade entre quatro e seis metros em diversos locais ao redor da pirâmide, o que poderia indicar a existência de câmaras. Duas delas chamaram especialmente a atenção: uma no canto noroeste, no lado ocidental, a cerca de 6 metros além da base da pirâmide e a outra no centro do lado oriental, entre o templo mortuário e a face de pirâmide, que poderia ser um túnel. Tais achados exigiriam pesquisas posteriores, as quais, pelo que sabemos, ainda não foram feitas.
No interior da pirâmide de Kéfren duas medições foram realizadas ao longo da passagem horizontal principal que conduz à câmara funerária. Valores de alta-resistividade foram encontrados onde a passagem entra na câmara e foram achados valores até mais altos em outro trecho, sugerindo a existência ou de uma rachadura profunda no leito de rocha naquele ponto, que não é visualmente aparente no túnel, ou alguma outra anomalia a uma profundidade de quatro metros ou mais debaixo da passagem. Tal anomalia poderia ser um túnel e deveria ser checada através de perfuração, o que também ainda não foi feito.
A sondagem acústica foi outro dos métodos empregados pela equipe de Lambert Dolphin em 1977. Simplificando, o processo consiste em enviar ondas sonoras através de um meio sólido e medir e interpretar o eco dai resultante. Sem cavar ou perturbar a área, essa técnica freqüentemente descobre, rápida e facilmente, o tipo e a localização de objetos subterrâneos, espaços vazios e túneis. Em arqueologia, entretanto, ela ainda não havia sido empregada até aquela data. O equipamento operou bem quando usado dentro de câmaras cortadas no leito de rocha. Nelas foi fácil procurar em todas as seis direções por anomalias na pedra, tais como outras tumbas, falhas, ou cavidades. A câmara funerária da pirâmide de Kéfren fica situada no leito de rocha, debaixo do monumento, e foi um dos locais no qual a sonda foi instalada. A foto acima mostra uma etapa dessa instalação. A partir do chão do compartimento foram feitas 11 sondagens em posições diferentes, no sentido vertical descendente.
Surpreendentemente, foram observados muitos ecos que poderiam significar túneis ou câmaras, principalmente nas profundidades de 9, 21 e 33 metros. Na profundidade de nove metros o que parece existir é apenas um antigo buraco cavado pelos ladrões da antiguidade. Os ecos surgidos a 21 metros, entretanto, eram fortes, bem definidos e se repetiram em várias das posições da sonda, sugerindo uma superfície cavada de considerável tamanho. Os ecos na profundidade de 33 metros também parecem indicar a existência no sub-solo de uma câmara de pelo menos 19 metros de comprimento. A pirâmide de Kéops, construída pelo pai de Kéfren, tem uma câmara subterrânea a aproximadamente 33 metros abaixo do nível do leito de rocha, ou a 25 metros abaixo da base da pirâmide. Portanto, os ecos surgidos a 21 e 33 metros abaixo da câmara funerária de Kéfren vêm de profundidades razoáveis para se procurar uma câmara escondida, se é que Kéfren seguiu o exemplo de seu pai. De acordo com os dados coletados pelos pesquisadores, as fontes dos dois ecos parecem ser ambientes circulares, como esboçado na figura acima. Além disso, testes realizados na passagem horizontal que conduz à câmara superior revelaram a presença de outra anomalia a cerca de quatro metros de profundidade, que até poderia ser uma passagem que faria a ligação com as outras possíveis câmaras.
Na pirâmide de Kéops o equipamento de sondagem acústica foi colocado na câmara do rei e dois conjuntos de dados foram levantados. A câmara de pedra em si está revestida com grandes blocos polidos de granito, sob os quais estão as pedras principais da construção. O primeiro conjunto de dados foi tomado a partir da própria câmara. A sondagem mostrou excesso de ruído a aproximadamente 60 m. Esse não era um resultado inesperado, pois todos os blocos em todas as direções estavam refletindo energia e o primeiro bloco provavelmente estava reverberando fortemente as múltiplas reflexões internas. O outro conjunto de dados foi obtido a partir do túnel que sai da câmara do rei. Esses dados mostraram um longo conjunto de ecos múltiplos originários de uma fonte situada a 7,25 metros de distância. Essa distância está a meio caminho entre a câmara do rei e a da rainha. Os ecos parecem indicar uma possível câmara, mas pode ser também apenas uma grande lacuna naquela posição. A figura acima mostra um esboço do local dessa anomalia. Lambert Dolphin declarou que recebeu permissão para perfurar um buraco a partir da grande galeria até esse espaço vazio, mas preferiu não danificar a pirâmide pois suas evidências eram escassas. Ainda deve ser considerado que investigações mais recentes mostraram que o núcleo da pirâmide é menos sólido do que se pensava anteriormente, com áreas cheias de pedregulho ou areia, o que pode ter afetado o resultado das medições.
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