Esta múmia era conhecida pelo apelido de Justine, até que estudos mais acurados do seu ataúde, realizados em 2014, revelaram seu verdadeiro nome: Nefret-Mut que significa uma bela da deusa Mut. Gayle Gibson, a egiptóloga que decifrou o nome, explicou que os hieróglifos do caixão estão grafados de forma malfeita, como se tivessem sido escritos por um mau aluno da escola secundária. Além disso, a pintura está muito descascada. O nome apareceu com maior clareza graças a fotografias de alta resolução e um pouco de Photoshop, o que ajudou a resolver a questão.
Nefret-Mut deve ter vivido no decorrer do reinado de Shoshenk I (c. 945 a 924 a.C.), um período de relativa calma após uma sequência de invasões, anarquia e guerra civil. Sua altura era de cerca de 1,50 m, ela foi mãe e deve ter falecido com idade entre 25 e 30 anos, nada incomum naqueles tempos. E como se descobre esse tipo de coisas? — você pode perguntar. É assim: os ossos e os dentes dela estão desenvolvidos completamente, o que posiciona sua idade no período pós adolescência; ausência de degeneração relacionada à idade sugere que ela, provavelmente, não passou dos 30 anos. Escaneamento do crânio também mostrou os terceiros molares imprensados. Esses são os dentes do siso que costumam crescer num ângulo tal que pressionam os outros dentes. Tal condição é normalmente presente em torno dos 20 anos de idade, o que também ajudou a sugerir a idade dela.
Acredita-se que ela pertencia a uma classe socialmente mais baixa porque não havia qualquer amuleto ou objetos enterrados com o corpo, ou seja, ela tinha poucas posses quando viva. Os métodos usados para sua mumificação não foram tão elaborados ou profissionais como aqueles usados nas elites, o que também sugere seu baixo status na sociedade. Por exemplo, enquanto todos os seus órgãos internos foram removidos, o cérebro foi mantido intato. Também não há nenhuma incisão no lado do seu torso por onde os órgãos eram tipicamente retirados. Ao invés disso, há marcas de uma incisão no períneo o que demonstra que um corte foi feito entre sua vagina e seu ânus para remoção de órgãos. Um pouco da pele das coxas e do baixo ventre também se enrolaram com partes do linho que embrulhou o corpo, o que sugere que esse não estava completamente seco antes de ser embrulhado. Pelo contrário, continuou secando depois de ter sido envolto, o que contorceu a pele dela. Isso sugere, mais uma vez, que ela pertencia a uma classe mais pobre, já que os métodos de mumificação mais caros e perfeitos não foram aplicados. Durante o procedimento, infortunadamente, a língua do cadáver foi retirada, obviamente por equívoco e imperícia, já que o órgão seria necessário para que a morta pudesse se introduzir no além túmulo. No caixão ela aparece em posição de adoração à deusa Hátor e está inscrito que era cantora no templo de Amon-Rá em Tebas. Quando cantava numa espécie de coro, devia ser acompanhada por pandeiros e danças ao som de música boa e excitante. Como cantora teria participado de barulhentas procissões pela cidade durante grandes festivais para encorajar as pessoas em suas casas e nos locais de trabalho para se juntarem ao cortejo.
Descoberta na temporada arqueológica de 1905/1906 em Deir el-Bahari pelo egiptólogo suiço Eduoard Naville, a múmia, juntamente com o caixão de um homem e outro de uma mulher, foi depois adquirida por Charles Trick Currelly, o primeiro curador do Royal Ontario Museum, sediado em Toronto, no Canadá, para o qual ela foi trazida em 1914, quando o museu foi inaugurado, e lá permanece até hoje. Por muito tempo, não se teve certeza se a múmia era um homem ou uma mulher e qual caixão lhe pertencia. Por sua pequena estatura e o aspecto feminino de sua testa, acabou sendo batizada de Justine. O apelido se baseou na antiga mitologia egípcia que afirma que quando alguém morre é julgado pelas divindades. Se recebesse um bom julgamento, estaria "justificado" e poderia passar para o outro mundo. Tomografia computadorizada feita em 2007 revelou que se tratava de uma múmia feminina. Na foto acima, parte do ataúde de Nefret-Mut.
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