A fisionomia de Cleópatra VII (51 a 30 a.C.) é assunto dos mais discutidos entre os estudiosos. Descobertas feitas em 2005 apontam na direção de que ela seria uma mulher feia. Em 2008, entretanto, a egiptóloga Sally Ann Ashton, do Departamento de Antiguidades do Museu Fitzwilliam, de Cambridge, discordou desta tese. Baseada em evidências históricas e representações em antigos artefatos, inclusive num anel que apresenta a imagem da soberana, ela reconstituiu o que pode ter sido a aparência provável daquela rainha, como vemos na foto ao lado e na foto abaixo , em imagens criadas por Image Foundry Studios Ltd..
A Dra. Ashton quis mostrar as verdadeiras origens egípcias de Cleópatra que, durante anos, foi ocidentalizada e representada com uma pele branca. Os artistas digitais consolidaram as diligentes pesquisas que duraram mais de ano e produziram o retrato computadorizado em 3D. A evidência fundamental para a reconstituição foi um artefato que mostra uma Cleópatra jovem em um anel. Ashton explica que a razão que a levou a escolher este anel em particular é porque ele é egípcio. Mostra Cleópatra como Isis representada muito jovem. Já que ela tinha apenas 40 anos quando morreu, a figura pareceu bastante adequada para a estudiosa. O resultado do trabalho mostra uma mulher jovem, notavelmente bonita, de etnicidade mista. A imagem reflete a herança grega da soberana bem como sua educação egípcia. Ela provavelmente não era completamente européia. É preciso lembrar que sua família tinha de fato morado no Egito durante 300 anos na época em que ela chegou ao poder.
Outros estudos sobre a possível aparência de Cleópatra já foram feitos baseados em esculturas e pinturas romanas. De fato há numerosas esculturas e baixos-relevos de artistas egípcios, gregos e romanos do seu tempo. Os retratos egípcios tendem a ser altamente estilizados. As esculturas greco-romanas são mais realísticas, com pequenas variações de estilo artístico, mas parecem estar sempre representando a mesma pessoa. Júlio César colocou uma estátua de ouro de Cleópatra no Templo de Vênus em Roma, mas a obra se pedeu na antiguidade. Depois que ele foi assassinado, a opinião pública voltou-se contra ela e muitas das obras que reproduziam sua aparência foram destruídas. Estátuas de mármore consideradas por alguns estudiosos como cópias da estátua de ouro original já foram encontradas. Baseado nestas réplicas em mármore e em outras fontes, David Claerr, especialista em arte e computação gráfica, traçou digitalmente a ilustração acima. Depois de Júlio César foi a vez de Marco Antonio encomendar um retrato de Cleópatra a Timomachus, um famoso pintor grego.
Quando Cleópatra se suicidou, Otaviano ficou furioso pois perdera a oportunidade de marchar pelas ruas de Roma exibindo sua inimiga acorrentada, como era o costume romano. Então, ordenou ao mesmo Timomachus que pintasse um quadro de Cleópatra. Nessa obra, parcialmente reproduzida ao lado, ela é mostrada em tamanho natural como uma bela jovem com cabelos loiros escuros, ou talvez ruivos, e profundos olhos azuis, envolta numa túnica carmesim. Há muitos elementos originais e intrigantes nos ornamentos de Cleópatra que atestam a autenticidade e antiguidade do retrato. A coroa dourada que ela usa se apresenta no estilo dos antigos macedônios. Está marchetada com esmeraldas e rubis e tem finíssimas pérolas em determinados pontos do adereço. O diadema em sua testa, os brincos pingentes e o colar, tudo combina com o estilo e desenho da coroa. O diadema está preso por uma finíssima corrente de ouro que circunda a cabeça. Os brincos são marchetados com rubis e rodeados por pérolas. O colar é particularmente interessante pois os segmentos de ouro individuais lembram cartuchos no estilo egípcio, ou seja, formas oblongas nas quais hieróglifos estão gravados. Jóias também são marchetadas nos cartuchos como parte do conjunto, o que é altamente incomum. Pérolas estão montadas nas extremidades dos cartuchos, da mesma maneira como as dos brincos e do diadema. Cleópatra usa uma braçadeira de ouro, também marchetada com esmeraldas e rubis, que tem pérolas grandes suspensas de correntes igualmente de ouro. Braceletes de ouro trançado adornam seu pulso direito.
O penteado de Cleópatra tem vários elementos notáveis. O cabelo, que está organizado em tranças muito elaboradas e nós decorativos, é obviamente muito longo, como se raramente tivesse sido cortado. A textura do cabelo é do tipo que cresce em rolos espiralados. Uma característica sem igual é o pó de ouro borrifado nas tranças e até mesmo nas sobrancelhas de Cleópatra. As pontas das tranças muito longas cercam o pescoço dela e terminam em um nó entrelaçado no qual foram inseridas três rosas frescas que combinam com a cor da sua finíssima túnica de seda. A própria túnica, projetada no estilo greco-romano da época, tem elementos notáveis: a fixação nos ombros com elegantes laços em forma de roseta e a falta aparente de costuras.
O aspecto mais surpreendente do quadro, entretanto, é a serpente que aparece enrolada ao redor do antebraço esquerdo de Cleópatra no ato de picar seu seio esquerdo exposto. Um par de marcas de furo de uma mordida anterior vaza sangue. A expressão da rainha é de aflição profunda. Lágrimas rolam dos olhos tristes voltados para cima. Os lábios separados revelam a língua exposta apertada entre os dentes, como se o veneno da serpente estivesse fazendo efeito rapidamente. Esse retrato, montado em um carro, foi lentamente puxado ao longo da rota da parada da vitória de Otaviano e depois permaneceu em exibição em um templo romano. As lendas das receitas de cosméticos de Cleópatra e de seus regimes de beleza para manter os cabelos abundantes e lustrosos e o corpo escultural nasceram com esta representação da rainha.
Passados muitos anos, o imperador Adriano (117 a 138 d.C.) colocou a obra de arte na sua Vila de Tivoli, nas proximidades de Roma. Algum tempo depois da sua morte, a pintura, que havia sido executada sobre ardósia, foi colocada em um engradado de madeira e escondido em um porão da Vila. Foi redescoberta, em 1818, quebrada em 14 pedaços que foram remontados e restaurados. Atualmente o paradeiro da pintura é desconhecido. É provável que no caos das guerras do início do século XX a pintura tenha sido escondida por segurança, ou perdida em bombardeios, ou, ainda, saqueada por invasores.
A imagem ao lado foi criada por técnicas de modelagem por computador em 3D combinadas com ilustração digital. A figura está baseada nas esculturas greco-romanas de Cleópatra, em antigas gravuras feitas a partir do retrato que Octaviano mandou fazer dela e em descrições detalhadas de testemunhos oculares dos escritores, artistas e repórteres que viram a pintura quando ela percorreu a Europa no século XIX.
É provável que as moedas pouco lisonjeiras cunhadas durante o reinado de Cleópatra sejam imagens desajeitadamente refeitas das efígies de seu pai Ptolomeu XII Neos (80 a 58 a.C.) e dos governantes anteriores. Os bustos gregos e romanos de Cleópatra mostram uma mulher com feições simétricas e pele lisa. O nariz é moderadamente saliente e as narinas ligeiramente abertas, mas nada que possa ser considerado fora de proporção. Consta que ela falava nove idiomas, tendo sido o primeiro governante ptolemaico que realmente aprendeu a falar a língua egípcia. Relatos de Apiano, historiador grego do século II autor de uma preciosa História Romana, atestam a beleza da rainha. Talvez Cleópatra não tenha sido a mulher mais linda da sua época, mas era uma interlocutora bonita e muito atraente, com uma voz melodiosa e maneiras encantadoras e persuasivas.
|