A história de Sinuhe se passa durante o reinado do faraó Sesóstris I (1971 a 1926 a.C.). Conhecida como As Aventuras de Sinuhe, seu autor é desconhecido, mas ela é muito bem escrita e gozava de grande popularidade em seu tempo, tanto que era considerada um clássico nas escolas egípcias e, em função disso, foi copiada pelos alunos inúmeras vezes, sendo que várias dessas cópias chegaram até os nossos dias. Acima um exemplo: um trecho da narrativa gravada em pedra. É algo como se o Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, pudesse ser lido em cópias escolares no ano 5900 da nossa era.
Em mais de 300 linhas é feita a narrativa da vida de um personagem fictício e nela encontramos intriga, aventura, lealdade e redenção. O herói parece ter sido um próspero administrador do harém do faraó Amenemhet I (1991 a 1962 a.C.), cujo reinado testemunhou a expansão da esfera egípcia de influência no Sinai e na área da Síria-Palestina e introduziu um tempo de grandes atividades construtivas e de renascimento literário e artístico. Segundo os estudiosos, os detalhes inseridos na narrativa estão notavelmente próximos da realidade e são histórica e arqueológicamente corretos. A acurácia também se estende aos costumes sociais dos diferentes povos com os quais Sinuhe entrou em contato. Convém esclarecer que não foi o conto egípcio que inspirou o escritor finlandês Mika Waltari ao escrever seu romance O Egípcio, no qual o herói também se chama Sinuhe. A personagem de Waltari é um médico que vive no tempo do faraó Akhenaton (c. 1353 a 1335 a.C.).
A história é escrita na primeira pessoa, ou seja, o próprio Sinuhe narra suas aventuras. Ele conta que Sesóstris I, filho mais velho do então faraó Amenenhet I, estava retornando de uma expedição punitiva contra os líbios quando mensageiros, vindos do palácio, vieram lhe informar que seu pai havia sido assassinado. O fato ocorreu "no ano XXX, terceiro mês da estação da inundação, dia 7", data que os egiptólogos determinaram com precisão como sendo 15 de fevereiro de 1962 a.C. O príncipe retorna imediatamente para a capital. Outros mensageiros, pertencentes ao grupo dos assassinos, também chegam para dar a notícia a um meio-irmão de Sesóstris, em cujo benefício se cometera o crime. Por acaso e escondido, Sinuhe os ouviu e relata em sua história:
Sua Majestade despachara um exército, do qual seu filho primogênito era o chefe, ao país dos Timiu [...] e agora ele voltava, trazendo prisioneiros [...] os amigos do Palácio enviaram [mensageiros] em direção ao oeste [do delta] para dar a conhecer ao filho do rei os fatos ocorridos na Corte. Os mensageiros encontraram-no no caminho, alcançaram-no ao cair da noite. Ele não demorou um instante sequer: o falcão (ou seja, Hórus, o herdeiro do trono) voou com seus seguidores, sem informar seu exército do fato. Mas [também] tinham mandado procurar os infantes reais que o seguiam nesse exército e a um deles foi feito um apelo. Ora, encontrando-me lá, ouvi sua voz, embora falasse longe [de todos], ao passo que eu estava perto [dele]. Meu coração perturbou-se, meus braços desligaram-se de meu corpo, um tremor abateu-se sobre todos os meus membros. Coloquei-me entre dois arbustos a fim de me manter à parte de quem estivesse na estrada. Eu me dirigia para o sul. Não me propunha [mais] a voltar a essa Corte, pois pensava que havia combates e não acreditava poder [mais] viver depois disso.
Tendo acidentalmente tomado conhecimento de um verdadeiro segredo de estado, temendo uma revolução e receando ser politicamente comprometido, Sinuhe fugiu apavorado e escondeu-se durante alguns dias no deserto, avançando pouco a pouco em direção ao norte. Atravessou o Nilo em um barco, às escondidas, e continuou a marcha até alcançar a grande muralha que o faraó falecido erguera no delta oriental com o objetivo de prevenir uma afluência de asiáticos por ali. Evitando as sentinelas, penetrou no deserto da Síria. Depois de várias peripécias, durante as quais correu também o risco de morrer de sede pois, como revela, Estava-me sufocando, com minha garganta ardendo: este é o sabor da morte, conseguiu atravessar a fronteira e refugiou-se junto aos asiáticos.
Reconheceu-me o chefe da tribo, que tinha estado no Egito, e deu-me água, leite e fui com ele à sua tribo: foi muito bonito o que eles fizeram.
Depois chegou a Biblos, em seguida a Quedem, onde passou um ano e meio, como hóspede de um outro chefe de tribo, Amunensci,
porque conhecia a minha posição social e tinha ouvido falar de mim e da minha sabedoria, dela tendo dado testemunho os egípcios que se achavam em seu país.
O chefe tribal logo desenvolveu um real afeto por Sinuhe: deu-lhe a própria filha primogênita em casamento e parte do território de sua tribo. Sinuhe passou a residir
no país de Jaa, onde havia figos e uvas e onde existia mais vinho que água, muito mel e muito óleo. Todos os tipos de frutas cresciam em suas árvores; havia cevada e trigo e todos os tipos de gado sem limite. Gozei de muitos privilégios e fui nomeado príncipe de uma das tribos mais requintadas.
Sinuhe obteve sucesso nas missões de política externa a ele confiadas por Amunensci e prosperou. Passaram-se os anos, os filhos cresceram, cada um à frente de sua tribo, ele defendeu sua tribo adotiva tenazmente e era altamente respeitado. Diz ele:
Dei água ao sedento, coloquei o desencaminhado de volta à estrada, socorri o assaltado... Quando os asiáticos tiveram que se mobilizar para enfrentar os governantes dos países das colinas eu lhes dei conselhos sobre como proceder.
A posição do herói era invejável e ele combatia sempre vitoriosamente as tribos inimigas, mas chegou um dia em que sua vida e a de sua família foram postas em perigo pela chegada de um homem gigantesco, o mais forte guerreiro do país que, egoísta e invejoso, ousou desafiá-lo.
O homem mais forte de Retenu desafiou-me em minha tenda. Ele era um herói sem igual, havia subjugado a terra inteira... Disse que lutaria comigo. Achava que poderia me derrotar e planejava apoderar-se do meu gado em benefício de sua tribo.
Na véspera da luta,
Passei a noite alongando meu arco e preparando minhas flechas. Afiei meu punhal e poli minhas armas.
Com estas tradicionais armas egípcias, Sinuhe tem a intenção de defender sua moradia e sua terra lutando num duelo quase sem esperanças.
Evitei suas armas e deixei suas setas passarem por mim, uma após a outra, até que não restasse nenhuma delas. Quando ele me atacou, eu o atingi; minha seta penetrou seu pescoço. Ele gritou e caiu de cara no chão e matei-o com seu próprio machado. Subi em suas costas e bradei meu grito de guerra, enquanto todos os asiáticos gritavam de alegria.
Essa história parece ter sido uma das origens do conto bíblico de David e Golias, que surgiu depois de quase um século. Apesar de tudo, o velho Sinuhe sente muita saudade da pátria distante
onde o coração encontra a paz. Os meus olhos estão pesados, os braços fracos, as pernas não obedecem, a mente está cansada, minha vida chega ao fim.
Ele reza para que o deus Montu, que o tinha ajudado na luta contra o gigante, conceda-lhe o retorno à sua terra natal.
Sesóstris I conhecia muito bem a fama de Sinuhe. Quando finalmente descobriu seu paradeiro, enviou-lhe uma ordem real de retorno ao país. Depois da complexa e habitual intitulação real, a mensagem prossegue:
O que tinhas feito para que se devesse agir contra ti? (...)
Porque hoje, seguramente, começas a envelhecer e perdestes a virilidade. Recorda o dia do enterro, a passagem a um estado reverenciado, quando a noite é apartada de ti com unguêntos e ataduras pela mão dos deuses. Uma procissão fúnebre é feita para ti no dia do enterro, uma arca de ouro para tua múmia, com a cabeça de lápis-lazúli, e o céu sobre ti quando fores colocado em um catafalco, sobre o qual te levarão os bois, e frente a ti os cantores, quando se executa a dança ritual na entrada da tumba, quando os requisitos de tua mesa de oferendas estão reunidos para ti e são feitos sacrifícios ao lado de tuas pedras de oferendas e teus pilares estão lavrados em pedra branca em meio das tumbas dos filhos do rei. Não pode acontecer que morras em país estrangeiro. Os asiáticos não te escoltarão. Não serás envolto numa pele de carneiro quando tua morada estiver pronta. Estás muito velho para andar errante pela terra. Pensa nas doenças e volta para o Egito.
É claro que o convite tornou Sinuhe feliz. Ele proclamou sua alegria rolando pela areia e, ao responder agradecido pelo perdão, assinou-se O Servidor do Palácio, Sinuhe.
Afinal, chegou à capital:
Toquei com a fronte o solo entre as esfinges.
Ali foi recebido pelos velhos amigos que, com um cerimonial solene, introduziram-no na Corte. Ele se apresentou vestido com traje asiático.
Sua Majestade estava sentado num trono de ouro.
A emoção foi tão grande que o bom Sinuhe prostou-se diante do faraó e perdeu os sentidos. Sesóstris ordenou a um dos amigos:
Ergam-no e façam-no falar comigo.
E imediatamente, para descontrair o ambiente, gracejou com amabilidade e apresentou o fugitivo à rainha e aos príncipes dizendo:
Eis diante de vós, Sinuhe, que voltou como um asiático, filho de beduínos.
A rainha, que também o conhecia muito bem, pois ele havia sido seu fidalgo na Corte, fez coro ao gracejo, deu um grande grito e exclamou:
— Mas não é ele, na verdade, meu Senhor e Soberano!
— É realmente ele — disse então Sua Majestade.
A seguir as princesas cantaram uma canção para celebrar o acontecimento e, fazendo um jogo de palavras, chamaram Sinuhe de Simehit, Filho do Vento do Norte:
Este xeque Simehit, estrangeiro nascido no Egito.
Todos os sofrimentos de Sinuhe desapareceram como que por encanto; o encontro foi afetuoso
e foi como se os anos tivessem sido apagados do meu corpo; fizeram-me a barba, pentearam-me; a sujeira foi deixada no deserto e minhas roupas foram entregues aos que transitam pelas areias; vestiram-me com linhos finíssimos, ungiram-me com perfumados óleos. Dormi em uma cama e, finalmente, deixei a areia para aqueles que ali habitavam e o óleo de madeira àqueles que com ele se ungiam. Não há homem pobre pelo qual se tenha feito o mesmo. E vivi, até o dia de minha morte, sob os favores de meu soberano.
Com sua volta ao Egito, um túmulo foi construído para ele na necrópole, assegurando-lhe a vida após a morte.
Ficamos curiosos em saber qual teria sido a culpa real de Sinuhe no episódio da morte de Amenemhet I. O egiptólogo americano John A. Wilson esclarece esse detalhe ao escrever: Sinuhe era um funcionário da corte que indubitavelmente pertenceu ao partido político culpado quando da morte de Amenenhet I. Provavelmente não foi um dos conspiradores que atacaram o rei durante a noite e o mataram, porque do contrário não teria sido perdoado; mas talvez não estivesse muito de boa vontade ao lado do príncipe herdeiro e corregente Sesóstris I.
Quanto ao motivo pelo qual a narrativa foi escrita, não existe certeza. Alguns eruditos pensam tratar-se de uma declaração política: a legitimação do reinado de Sesóstris I depois da violenta morte de seu pai. Mas também se pensa que a narrativa possa ter sido escrita como um texto instrutivo que fornecesse um modelo detalhado da correta relação entre um governante e seus subordinados. Finalmente, embora se trate de uma obra de ficção, a história de Sinuhe é uma grande contribuição ao nosso conhecimento sobre a época do herói, ou seja, o início do segundo milênio antes de Cristo.
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