Para o jogo conhecido como senet, cujo nome significa jogo da passagem, zn.t n.t H'b em egípcio, podia ser usado um rico tabuleiro de madeira incrustada com materiais preciosos, ou, na maioria dos casos, uma simples grade riscada no chão, num pedaço de madeira ou numa pedra calcária. Até no topo dos altos paredões foram encontrados desenhos do tabuleiro, talvez utilizados pelos pedreiros que se distraiam enquanto descansavam da tarefa de erguer as enormes estruturas daquela época. Esse era, sem dúvida, o jogo de mesa mais popular, era praticado amplamente por todas as classes sociais e está documentado desde as primeiras dinastias. Mais de 40 tabuleiros desse jogo, alguns bem conservados, foram encontrados pelos arqueólogos. O tabuleiro mais antigo conhecido que foi identificado, sem sombra de dúvida, como sendo do Senet foi encontrado em tumbas da I dinastia (c. 2920 a 2770 a.C.). Entretanto, como existem fragmentos de tabuleiros ainda mais antigos, provavelmente o jogo já existia na era pré-dinástica. Por outro lado, a sua mais velha representação artística conhecida encontra-se em uma pintura da tumba de Hesyre, funcionário da III dinastia (c. 2469 a 2575 a.C.). O hieróglifo que representa as consoantes MN é desenhado como se fosse um tabuleiro de senet com as peças do jogo sobre ele. Esse sinal já aparece, cerca de 3100 anos a.C., numa inscrição que louva o faraó Narmer e isso é um indício de que o jogo é bastante antigo. O tabuleiro era dividido em três colunas e estas em 10 ou 11 "casas", que os egípcios chamavam de peru, permitindo disputa apenas entre dois competidores. Embora não houvesse numeração das casas, a sequência, provavelmente, obedecia á seguinte lógica: na primeira coluna ficavam as de número 1 a 10 no sentido da esquerda para a direita; a coluna seguinte correspondia aos numeros de 11 a 20 no sentido inverso e a ultima coluna voltava a ser considerada da esquerda para a direita com os números de 21 a 30. Dessa maneira possivelmente o percurso das peças formava um "S" invertido. Na tumba de Tutankhamon (c. 1333 a 1323 a.C.) foram encontrados quatro destes jogos. Um deles tem um tabuleiro valiosíssimo formado por um móvel de ébano, com pés folheados a ouro, montado sobre um trenó. Incrustações de marfim completam o objeto. Um grande número de textos egípcios citam o senet e apresentam dicas sobre os objetivos do jogo, a habilidade e sorte necessárias e as armadilhas a serem enfrentadas, mas nenhum deles apresenta uma descrição clara e exata das regras. Nenhum registro delas foi encontrado em papiros ou nas paredes das tumbas. Torna-se muito difícil reconstituir uma partida apenas através dos objetos e imagens descobertas. Sabe-se que cada jogador lidava com o mesmo número de peças, que podiam variar entre cinco e sete, diferenciadas pela cor ou pelo formato e chamadas de ab, ou seja, "dançarinos", pois dançavam ao longo do tabuleiro que representa a vida. Alguns jogos foram encontrados com 10 peças para cada participante. Na foto acima, de um desses tabuleiros, vemos peças parecidas com os peões do nosso jogo de xadrez. Ao lado, foto de uma peça semelhante feita de barro. Ela tem 3,6 centímetros de altura, está datada da XII dinastia (1991 a 1783 a.C.) e pertence ao Petrie Museum of Egyptian Archaeology, de Londres. Durante o Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) surgiram peças mais elaboradas, em forma de prisioneiros amarrados e ajoelhados ou adornadas com a cabeça do deus Bes. O objetivo do jogo consistia em mover as peças pelo tabuleiro e, através de bloqueios e ultrapassagens, terminar o percurso antes do adversário. Parece ter exigido habilidade e sorte sendo, talvez, um parente distante do gamão. A 15.º casa era chamada de casa do renascimento. A 26.º casa era chamada freqüentemente de nefer, ou seja, bom, bonito e, aparentemente, era uma casa de sorte; mas o seguinte era alguma espécie de obstáculo que precisava ser saltado. A egiptóloga brasileira Margaret Marchiori Bakos oferece outros detalhes: Os últimos cinco quadrados tinham marcas especiais. Se um jogador chegasse a uma casa cujo símbolo significava beleza ou poder, era premiado. Não era desejado cair com as peças a quatro quadrados do final, pois aterrissar na "casa das águas", ou na "casa do azar", significava se "afogar" e talvez voltar para o começo. O quadrado anterior era chamado de "bom" ou de "casa boa". Os quadrados subseqüentes tinham os numerais 3 e 2, respectivamente, referindo-se ao número de casas até o final. Alguns tabuleiros foram encontrados com marcas na primeira e na 16.º casas. O número de casas a percorrer em cada jogada era determinado pelo lançamento de pequenos ossos da junta da perna de um cordeiro, de quatro pequenas varetas marcadas com lados de cores diferentes, ou, mais raramente, de um pião. O sistema que parece ter sido mais empregado foi o de lançar pequenas varetas. Trata-se de uma forma binária de dados que primitivamente eram preparados cortando-se o ramo de uma árvore pela metade em seu sentido longitudinal, criando-se, assim, duas peças, cada uma com um lado curvo e outro plano. Lance quatro de tais peças e vocé terá cinco resultados possíveis: apenas um lado plano, dois lados planos, três lados planos, quatro lados planos ou nenhum lado plano, sendo que estas duas últimas condições são extremamente raras. Nenhum lado plano provavelmente era interpretado como o número cinco. Tais resultados indicavam o número de casas a serem percorridas.
Marido e mulher gostavam de sentar-se em tamboretes com um coxim a seus pés e jogavam um contra o outro. Outros jogavam com seus amigos depois do almoço. No Império Novo
o senet, que havia começado como simples passatempo, ganhou um rico significado alegórico e passou a ser mencionado em textos religiosos. Um contendor podia jogar sozinho e, nesse caso, seu adversário era o destino, representado por Osíris, que concederia imortalidade ao jogador caso ele vencesse a partida. Viver dentro dos preceitos de justiça e praticar boas ações proporcionariam ao indivíduo a pureza e a habilidade necessárias para a obtenção de um resultado favorável. Nos túmulos surgem cenas nas quais o morto joga contra um adversário invisível, como é o caso da ilustração ao lado que mostra a rainha Nefertari sozinha diante do tabuleiro. De maneira geral, vencer o jogo significava derrotar o mal e renascer com sucesso na vida do além-túmulo. Os tabuleiros dessa época frequentemente apresentam inscrições funerárias, o que significa que eram produzidos especialmente para serem colocados nas tumbas. Nos hieróglifos o desenho de um jogo de senet representava a palavra men, que significa perdurar, refletindo os vínculos desse divertimento com a outra vida. Entretanto, o jogo continuou a ser praticado como passatempo e tabuleiros improvisados desse período também foram encontrados. Até porque, para vencer o jogo no além-túmulo era necessário praticá-lo em vida. Há evidências de que o senet ainda era jogado cerca de 400 anos depois de Cristo, tendo sido praticado, portanto, por milhares de anos. Em virtude do significado religioso que adquirira, quando o cristianismo começou a se espalhar pela região na qual o Senet era jogado, o jogo foi considerado pagão, perdeu a preferência do público e desapareceu na sua forma original. |