O historiador Maurice Crouzet afirma que se pode falar de um clero feminino, composto de concubinas do deus ou ainda de reclusas. Escapam-nos a formação que recebiam, bem como se o seu recrutamento se fazia nas camadas mais elevadas da sociedade, por vezes na própria corte. Em princípio, a partir do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) e para o santuário do grande deus dinástico Amon em Karnak, a rainha, com o título de mão divina, de esposa ou de adoradora do deus, encontrava-se à frente da hierarquia feminina. Na prática possuía uma suplente, a quem podemos chamar de grande sacerdotisa. Já o arqueólogo Alan W. Shorter informa que a função das sacerdotisas era sobretudo a de produzir música com seus sistros, como acompanhamento das cerimônias. No caso de Amon, divindade de características marcadamente sexuais, tais sacerdotisas eram consideradas suas concubinas, ostentando a esposa do sumo sacerdote o título de Concubina Especial de Amon. Tinha ela responsabilidades rituais, tais como a de liderar as mulheres que tocavam instrumentos no templo, e algumas delas parecem ter concentrado uma certa quantidade de poder. Um documento menciona que uma delas teria conseguido assegurar o rápido fornecimento das rações devidas aos trabalhadores da necrópole de Deir el-Medina quando entraram em greve na época de Ramsés III (c. 1194 a 1163 a.C.). Em outra ocasião, uma dentre tais sacerdotisas tramou o assassinato de um figurão importante e problemático. Por outro lado, a rainha, mulher do faraó reinante, era também considerada esposa da divindade e, consequentemente, recebia o título de Esposa do deus Amon. No entender da egiptóloga Lucia Gahlin havia muito menos mulheres do que homens trabalhando nos templos egípcios, mas certamente existia o título de esposa do deus, tradução literal para o termo egípcio hemet netjer. Essas mulheres atuavam durante os cultos e costumavam ser do alto escalão da sociedade, geralmente casadas com sacerdotes, sendo que suas posições dependiam grandemente do status do próprio marido. No Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.) e no Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) aquele título estava mais usualmente associado com o culto de Hátor, deusa da fertilidade. Era uma sacerdotisa a responsável pela administração do patrimônio dessa divindade e até mesmo o cargo de sumo sacerdote daqueles templos podia ser ocupado por mulheres. Também são conhecidas mulheres nessa função suprema servindo aos cultos das deusas Neith e Pakhet. Durante o Império Antigo uma rainha chamada Meresankh ocupou o posto de sacerdotisa suprema do deus Thoth. Desde essa época as mulheres desempenharam nos templos dos deuses e deusas, durante os cultos, funções de cantoras, dançarinas e tocadoras de instrumentos tais como harpas, pandeiros e chocalhos. No início do Império Novo o título de Cantora de Amon era de uso bastante comum e, mais uma vez, eram geralmente as esposas dos sacerdotes que alcançavam tal posição. Também nos funerais era importante a participação feminina e, durante o Império Antigo, nos rituais do culto funerário do falecido. Duas das carpideiras recebiam os títulos de Grande Milhafre e Pequeno Milhafre e personificavam as deusas Ísis e Néftis. De acordo com a lenda de Osíris, essas deusas haviam tomado a forma de milhafres, uma ave de rapina, quando reuniam os pedaços do corpo daquela divindade para mumificá-lo. Ao que se sabe, pelo menos no decorrer do Império Antigo uma sacerdotisa podia ostentar o título de servidora do ka, sendo sua responsabilidade realizar rituais na capela tumular do defunto. O mais importante título religioso que uma mulher podia receber era o de Divina Esposa de Amon. Essa posição se tornou, a partir da XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.), de grande significado político. A portadora dessa honraria ficava sediada em Tebas e costumava ser uma das filhas do faráo, que visava assegurar o controle real na área tebana. No decorrer da XXIII dinastia (c. 828 a 712 a.C.) exigia-se que essa sacerdotisa se mantivese celibatária e cabia-lhe adotar uma filha e sucessora. Ela recebia um segundo título de Mão da divindade, provavelmente atribuindo-lhe um papel simbólico no ato da criação. De acordo com uma das versões do mito da criação de Heliópolis, o deus Atum criara as divindades Shu e Tefnut se masturbando. No Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.) a ocupante desse cargo tornou-se mais importante do que o Sumo Sacerdote. Ela passou a controlar as vastas propriedades de Amon, empregava grande quantidade de pessoas e tinha acesso a grandes riquezas.
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