É claro que as mais famosas múmias egípcias são de seres humanos, mas as tumbas escavadas revelaram múmias de animais, peças de carne mumificadas e até mesmo múmias falsas de animais, contendo apenas varas, trapos, restos de plantas ou alguns ossos. Atualmente as múmias dos animais são estudadas cientificamente, mas até o século XIX d.C. centenas de toneladas de gatos mumificados foram embarcados do Egito para o porto inglês de Liverpool para serem transformados em fertilizantes.
A aparência externa das múmias dos animais é frequentemente enganosa e os egiptólogos aprenderam que quanto mais elaboradas as decorações exteriores, mais provável que a múmia no interior seja algo inusitado ou até mesmo uma fraude total. Às vezes o animal real está invertido ou decapitado, de forma que a cabeça na múmia é apenas decorativa. Um crocodilo, por exemplo, tinha sua cabeça na extremidade na qual se via a cauda na embalagem externa.
Os animais não só foram vistos como bichos de estimação, mas também, e mais importante do que isso, como encarnações de deuses. Como tal, os egípcios enterraram milhões de gatos mumificados, pássaros e outras criaturas em templos dedicados às suas divindades. Em câmaras subterrâneas em Saqqara estima-se que quatro milhões de aves íbis embalsamadas foram abrigadas e estes talvez sejam os animais mumificados em maior número, seguidos de perto pelos gatos. Os arqueólogos também encontraram múmias de lagartos, de peixes e até de besouros espalhadas pelo país.
Levando-se em conta a grande quantidade de múmias de animais produzidas, muitos pesquisadores acreditavam que a vasta maioria fora preparada de forma apressada e descuidada. Havia um entendimento de que os embalsamadores egípcios faziam um trabalho apressado quando se tratava de animais, apenas embrulhando-os em linho grosso e molhando-os com uma resina preservativa. Mas, ao contrário do que muita gente pensa, grande parte dos animais que os antigos egípcios mumificavam passavam por um processo tão complexo quanto o dos cadáveres humanos. Além disso, não só o animal morto podia ser mumificado caprichosamente, mas também podia ser colocado em um ataúde de madeira, gessada e pintada, imitando a forma do bicho.
Uma pesquisa recente revelou que os procedimentos usados na mumificação de animais eram tão complicados quanto os que eram aplicados aos mortos e, frequentemente, tão elaborados quanto aqueles empregados nos corpos humanos melhor preservados. Veja-se, como exemplo, a múmia desse gato do alto da página, pertencente ao Museu Nacional de Liverpool, na Inglaterra. Os espécimes escolhidos para o estudo pertencem a museus e estão entre os melhores existentes. Portanto, não representam necessariamente uma amostragem de tudo o que de fato já foi encontrado.
Como alguns cemitérios contêm milhões de exemplares de uma mesma espécie de animal, é claro que nem todos receberam o tratamento mais elaborado. Existem até animais que nem mesmo estão completos: alguns deles foram encontrados sem suas cabeças. Outros têm uma perna ou uma asa extra. Em outros, ainda, faltam pedaços, os quais podem ter sido comidos pelos sacerdotes durante os rituais, como, por exemplo, no caso dos touros sagrados do deus Ápis. Mas não há nenhuma dúvida de que muitos deles foram preservados dentro de um padrão extremamente alto.
No capítulo que se refere aos pássaros, pode-se notar tipos diferentes de mumificação. Por exemplo, os falcões que provavelmente eram mantidos como animais domésticos foram mumificados com grande cuidado. Enquanto isso, os íbis e falcões ofertados ao deus Thoth foram mumificados de maneira mais casual. No caso do touro Ápis sabe-se que sua mumificação era um processo muito ritualizado e levado extremamente a sério. Certamente não era nem um pouco menos elaborado do que a mumificação de um ser humano importante.
Na preparação dos organismos para a vida no além túmulo, os animais de estimação e seus donos passavam pelos mesmos cuidados. Os órgãos dos animais eram cuidadosamente removidos e envoltos por elaboradas bandagens, antes do tratamento com uma variedade de substâncias químicas. Os egípcios mumificaram uma extensa variedade de animais, de vacas e crocodilos a cobras e escorpiões e até mesmo, ocasionalmente, um leão e um hipopótamo. Pássaros, babuínos e gazelas foram encontrados mumificados em túmulos junto a seus donos. Ovelhas, carneiros, cachorros, musaranhos, escaravelhos e até ovos de pássaros e de répteis também não escaparam da mumificação.
Na pesquisa citada, realizada em 2004, os cientistas analisaram restos mumificados e bandagens de um gato, dois falcões e um pássaro íbis para descobrir a composição química das substâncias que os mumificaram. As múmias pertenciam a um período compreendido entre 818 e 343 a.C. e os resultados mostraram misturas muito complexas de substâncias químicas usadas como "bálsamos" preservativos. Elas incluem uma variedade de gorduras e óleos, cera de abelha, goma de açúcar, betume, resinas de pistácia, de conífera e, possivelmente, de cedro. São todas substâncias encontrados igualmente em materiais de embalsamamento de seres humanos. Os investigadores detectaram que estes produtos também tinham sido aplicados às bandagens que embrulhavam os animais.
Levando-se em consideração a importância que os antigos egípcios davam aos animais e o respeito com que os tratavam, chegando a endeusá-los, era de se esperar que o fato se refletisse na mumificação dos bichos. E foi o que realmente ocorreu em receitas de embalsamamento sofisticadas e nas bandagens muito elaboradas e até complicadas, como a deste gato pertencente ao Museu de História Natural de Londres. Tendo uma mentalidade prática, os egípcios buscavam procedimentos de mumificação que funcionassem. Determinadas substâncias inibem a atividade bacteriana e por essa razão e pelo respeito que tinham com os animais de estimação, eles teriam usado os mesmos métodos tanto em animais quanto em seres humanos.
Os arqueólogos costumam dividir as múmias de animais em quatro grupos:
os que eram colocados em tumbas para serem usados como comida pelo falecido na vida após a morte;
os animais de estimação do morto;
os animais que eram mumificados como símbolos de um culto;
aqueles dados em oferenda votiva para os deuses.
Os três primeiros grupos existiram durante toda a história do Egito. O primeiro grupo era formado por partes comestíveis de animais, frequentemente embrulhadas em bandagens e colocadas em caixas nas tumbas. Normalmente as carnes não eram armazenadas como carcaças inteiras, mas cortadas como se estivessem prontas para o cozimento. Radiografias revelaram conjuntos de costelas, bem como patos preparados com suas cabeças e pés removidos e as cavidades do corpo esvaziadas. Também partes de ovelhas, de cabras, de antílopes, gansos ou pombos eram usados com finalidade alimentar.
Entre os animais de estimação, não apenas gatos, mas também cachorros, babuínos, macacos de outras espécies e gazelas foram encontrados. Um egípcio enterrado em Abido era tão apaixonado por seu cachorro que este foi mumificado e colocado dentro do ataúde ao lado dos pés de seu dono. Em outro exemplo, o "bebê" que por muito tempo os investigadores haviam pensado ter sido enterrado com uma princesa era, na realidade, um macaco de estimação. Não há evidências de que os animais de estimação fossem sacrificados quando seus donos faleciam; mais provavelmente, ao morrerem de morte natural eram colocados junto a seus donos.
Animais das duas últimas categorias, entretanto, mostram evidências de terem sido deliberadamente mortos. Os exames radiológicos demonstram que muitos deles têm o esqueleto danificado, o que sugere que seus pescoços foram quebrados propositalmente. Depois eram colocados em caixas enfeitadas ou envoltos em bandagens bastante elaboradas. O último grupo geralmente está restrito ao Período Greco-romano (332 a.C. a 395 d.C.). Nesse último caso, se um animal sagrado era mumificado e formalmente ofertado a um deus, isto era um sinal de devoção por parte daquele que fizera uma peregrinação a um templo com tal objetivo. A pessoa poderia pagar para ter um animal ofertado a determinada divindade em seu nome e, então, os sacerdotes enterrariam ritualisticamente o bicho em um grande cemitério do centro de culto. A enorme quantidade de animais enterrados por estes cultos indicam que alguns, indubitavelmente, foram criados em locais sagrados, tornando-se, consequentemente, sagrados também, com a finalidade específica de serem sacrificados e mumificados para oferendas.
O humilde gato doméstico foi, provavelmente, o primeiro animal domesticado a servir como fonte de oferendas rituais para os deuses. Tanto eram mumificados os gatos de uma subespécie africana de gato selvagem, quanto o antecessor de menor porte do gato doméstico moderno. Análises de raios X revelaram que muitos gatos foram deliberadamente mortos para servirem de oferendas votivas, uma enorme quantidade deles com idades entre dois e quatro meses. Tudo indica que a prática da mumificação teve importante papel na domesticação desse animal, provavelmente criados para o fim específico de serem sacrificados e mumificados, a exemplo do que ocorria com outros animais. Eles eram, por exemplo, ofertados à deusa Bastet. Cemitérios datados do Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.) contendo gatos em instalações abobadadas feitas com tijolos de lama foram encontrados em Bubastis, centro de culto daquela divindade. Foram tantos os gatos mumificados que determinada empresa comprou mais de 17 mil quilos de múmias destes animais no final do século XIX. O objetivo era o de pulverizar e vender como fertilizante na Inglaterra. Só esta remessa continha, provavelmente, 180000 felinos mumificados.
Na região do Fayum, próximo da cidade de Crocodilópolis, os arqueólogos descobriram um templo inteiramente dedicado ao deus crocodilo, Sebek. Em Médinet Madi existe um pequeno templo datado do Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) que está bem conservado. Ele é dedicado à deusa cobra Renenutet e ao deus crocodilo Sebek. Na dinastia ptolomaica (304 a 30 a.C.) esse templo foi aumentado ao norte por um segundo templo e ao sul o templo original também foi prolongado. Em 1998 e 1999, pesquisadores da universidade de Piza chefiados pela arqueóloga Edda Bresciani, descobriram no local um terceiro templo, também da época dos Ptolomeus e também bem conservado, que foi chamado pelos estudiosos de templo duplo, porque foi dedicado a dois deuses crocodilos Sebek.
Junto ao templo, datado do segundo ou terceiro séculos anteriores a Cristo, foram descobertos dois anexos de um tipo e destinação absolutamente únicos na arqueologia egípcia. Cada anexo revelou a existência de 30 a 40 ovos de crocodilo, enterrados metodicamente na areia, a maior parte contendo embriões em diferentes etapas de evolução. Esses ovos e ainda a presença nos dois anexos de um tanque quadrado com cerca de 30 cm de profundidade permitiram concluir que se tratava de uma espécie de berçario dos crocodilos sagrados, destinado à eclosão dos ovos. É a primeira evidência que se tem de que os egípcios criavam estes répteis mortais a partir dos ovos, para adoração e oferenda em sacrifício ao deus crocodilo Sebek. Sem dúvida, os répteis recém-nascidos passavam algum tempo na água dos tanques antes de serem sacrificados, mumificados e vendidos aos devotos daquela divindade que vinham em peregrinação ao templo e que, então, podiam ofertá-los como ex-votos na capela da necrópole local dos animais sagrados. A prática de sacrificar animais recém-nascidos é bem conhecida no antigo Egito para várias espécies de animais sagrados, principalmente gatos, como vimos acima, mas esta foi a primeira vez que se encontrou algo semelhante com relação aos crocodilos.