Descobertas Arqueológicas |
Uma tumba pertencente a um sumo sacerdote chamado Hau-Nefer, que viveu no Egito por volta de 2200 a.C., foi localizada por arqueólogos franceses no decorrer de 2003. Em suas paredes foi inscrita uma biografia cheia de elogios provando o valor do falecido para os reis e os deuses, um passaporte infalível para a vida após a morte. A principal credencial de Hau-Nefer, que aparece na ilustração à esquerda ao lado de sua esposa, era a de ter sido confidente do faraó Pepi I (c. 2289 a 2255 a.C.). Ele tinha acesso privilegiado aos locais mais sagrados do conjunto funerário daquele rei. Cuidava pessoalmente das estátuas do soberano despindo-as e limpando-as, vestindo-as então com roupas limpas, polindo suas jóias enquanto invocava o nome do rei e queimando incenso no templo para repelir os maus espíritos. Como pessoa de confiança de Pepi I, Hau-Nefer deveria ter sido enterrado perto dele, cuja pirâmide encontra-se em Saqqara. Mas não o foi. Foi enterrado em uma tumba escondida e cortada na rocha em uma necrópole recém descoberta. Por que Hau-Nefer não foi enterrado onde a razão e o protocolo determinavam que ele deveria ter sido, ou seja, ao lado da pirâmide de Pepi I? Os estudiosos encontraram na tumba algumas pistas intrigantes sobre esse problema. Elas indicam que o sacerdote pode ter servido a dois reis durante sua vida. Antes de servir a Pepi I, talvez tenha servido a seu antecessor, um rei sobre o qual pouco se sabe, conhecido como Userkare. Assim, talvez Hau-Nefer tenha sido enterrado perto de Userkare. Talvez Userkare tenha sido enterrado nesta necrópole. Só o tempo dirá, à medida em que os trabalhos arqueológicos prosseguirem naquela área. A dúvida que surge, então, é a seguinte: por que um faraó teria sido enterrado debaixo de um montículo de areia desprezível? Por que não em uma pirâmide? O que os pesquisadores sugerem é que o reinado de Userkare foi provavelmente interrompido quando o local do seu sepultamento ainda era uma pirâmide em construção — apenas uma grande cova e um piso de pedra de uma futura câmara funerária — e em breve tudo foi rapidamente soterrado e perdido. É provável que o monumento nunca tenha sido terminado, pois caso contrário já teria sido encontrado. O que está sendo procurado atualmente é algo que foi soterrado rapidamente, algo que foi iniciado mas não concluído. A descoberta da tumba de Hau-Nefer leva a crer que os arqueólogos estão escavando a pouca distância do túmulo de Userkare, embora ainda não tenha sido achada uma evidência tangível disso. A biografia de Hau-Nefer gravada na pedra foi apagada em alguns trechos e isso não foi trabalho de vândalos. Os buracos feitos na parede foram tapados cuidadosamente com barro e pintados de branco para cobrir o pedaço arrancado do texto. Não haveria nenhuma razão lógica para a biografia ser alterada caso o falecido só falasse das façanhas e expedições de Pepi I. Mas se ele falasse de servir a outro rei — um rei chamado Userkare cujo identidade seus sucessores queriam apagar para toda a eternidade — isso seria uma explicação plausível para o antigo trabalho de edição dos hieróglifos. Biografias como essa eram semelhantes a currículos. O sacerdote se apresentava aos deuses, detalhando, sem nenhum traço de humildade, o que tinha feito e o que o faraó tinha feito por ele para justificar sua própria ressurreição. Aqui, em uma das paredes, o morto diz que foi escolhido pelo faraó em pessoa e pelos próprios deuses e afirma: Eu sou um excelente sacerdote, eu sei os textos mágicos e se alguém levar uma única pedra da minha tumba, eu farei com que seja julgado e castigado pelo Grande Deus em frente aos vivos que têm medo dos mortos.Pelo sim ou pelo não, ninguém tocou nessa parede e ela se encontra perfeitamente preservada. Nas paredes do túmulo também estão representados os 13 filhos de Hau-Nefer e sua esposa, chamada Khuti. Das quatro filhas, duas tiveram suas faces totalmente removidas. O fato privou-as da ressureição. Qual teria sido a razão para um castigo tão drástico? As imagens das outras duas filhas estão intactas e parece que o sacerdote casou-se com uma delas, embora isso não esteja perfeitamente claro. Talvez ela apenas tenha tomado o papel da mãe em termos de deveres, após ter ficado órfã. O que se vê nos desenhos é a filha, e não uma concubina, ocupando um papel proeminente junto ao pai. O fato é intrigante porque não há muitos exemplos naquela época de pais casando-se com as próprias filhas. Em uma das figuras da tumba, o pai e sua filha adulta aparecem formando um par com uma menina pequena entre eles. Os pesquisadores não sabem se a menina é filha do casal ou neta de Hau-Nefer. Os olhos, orelhas, narizes e bocas do sacerdote e de sua filha foram destruídos por alguém, tendo ficado as faces de ambos quase em branco. A face da jovem menina entre eles está intacta, sem nenhuma marca de destruição. Quando uma pessoa morria, os egípcios diziam que a respiração do falecido havia saido de seu corpo. Para que a pessoa ressuscitasse, seria necessário que a respiração voltasse ao seu organismo. Ora, como a respiração sai pelo nariz ou pela boca, se você remover todos os buracos da face de alguém, respirar tornar-se-á impossível para ela e a ressureição dela, também. Há oito representações do sumo sacerdote na tumba. A única em que sua face está danificada é aquela na qual ele e sua filha aparecem como um casal. Trata-se, ao que parece, de uma ação contra os dois. Talvez o filho primogênito, o sucessor natural do pai, tenha danificado a figura porque sua irmã atingira um poder político por demais proeminente. Ou talvez tenha sido algo mais complicado do que isso — afirmam os arqueólogos.
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