É preciso sem dúvida supor que o erotismo egípcio sofreu ao longo dos milênios uma transformação e uma modificação de valor que corresponde à evolução da sociedade. Para o Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.) e o Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) Impérios, as fontes de que dispomos sobre esse assunto são muito parcimoniosas, mas não se pode negar que no Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) reinou uma liberdade nitidamente maior nos domínios dos escritos sobre sexualidade e erotismo. Foram encontradas numerosas ostraca e pequenos objetos que carregam representações explícitas. A afirmativa é do professor de egiptologia da Universidade de Constança, Wilfried Seipel. Existe um documento, conhecido como Paprio de Turim 55.001, que poderia ser chamado de livro de cabeceira da arte de amar e esse não foi o único papiro de sua espécie. Um papiro obsceno do final do Império Novo é formado por um conjunto de desenhos com legendas. Ele mostra uma variedade de encontros sexuais entre um gordo devasso e uma mulher vestida apenas com uma cabeleira, colar, pulseiras e um cinto. Também foram desenhados esboços humorísticos de animais desempenhando papéis humanos. Mas havia puritanos de plantão. Aproximadamente na mesma época, num túmulo da XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.), algumas pinturas de dançarinas nuas e mulheres com roupas sumárias foram vestidas por um dono posterior. De qualquer forma, na arte egípcia as cenas eróticas são extremamente raras. Embora os egípcios sempre tivessem manufaturado objetos em forma de falos, tudo indica que foram usados apenas como ofertas votivas. Em habitações do Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.) os arqueólogos encontraram, frequentemente, objetos obscenos, tais como estatuetas de homens com pênis enormes. Acredita-se que fossem peças mágicas destinadas a aumentar a potência masculina. Numa época na qual a mortalidade infantil era muito elevada, a potência era uma constante preocupação dos homens. A palavra que designava as partes íntimas da mulher era usada num sentido depreciativo, como explica a egiptóloga dinamarquesa Lise Manniche. Uma mulher que fez uma sujeira com alguém é chamada de kat tahut, o primeiro termo significando vulva e o segundo, provavelmente, prostituta. Enquanto a palavra kat era usada numa descrição anatômica ou em sentido ofensivo, a palavra keniw "abraço" é usada para a mesma parte do corpo de uma mulher num contexto poético. Em um poema de amor o jovem diz: "Ela me mostrou a cor de seu abraço", onde a palavra "cor" aparece com uma conotação erótica. O estar sexualmente junto poderia ser descrito de várias maneiras. De forma poética, dizia-se: "passar um tempo agradável junto". Se o encontro acontecesse fora dos laços do casamento, poder-se-ia expressá-lo falando em "entrar numa casa". Mas caso se desejasse uma única palavra para descrever o ato, havia cerca de vinte entre as quais escolher. A mais usada era nek. Os egípcios não consideravam que fosse impróprio representar certas partes do corpo e retratavam a cópula dos animais. Segundo a autora que estamos citando, podemos supor que não tivesse nada a ver com a conveniência o fato de não terem escolhido para decorar os seus túmulos cenas de uniões humanas. Ao contrário, isso se devia à firme crença de que a força mágica imanente a qualquer retrato poderia fugir ao controle e, onde quer que qualquer coisa sexual estivesse em jogo, poderia ser aterradora e prejudicial. Em termos religiosos a sexualidade era importante devido à sua relação com a criação, com o renascimento e com a vida além da morte. Divindades como Hátor e Min tinham caráter claramente sexual. Esse último deus aparece com o pênis ereto em relevos e na estatuária e isso nunca foi considerado indecente, já que era parte essencial da natureza da divindade. Além do mais, os egípcios estavam acostumados a desenhar o falo, pois este era um hieróglifo frequentemente usado para representar determinado tipo de som em palavras que nada tinham a ver com assuntos eróticos. Nos túmulos, as cenas com referências eróticas veladas visavam assegurar o renascimento na outra vida através da potência, ou proporcionar ao morto uma existência agradável. São consideradas cenas de conteúdo erótico, entre outras, algumas de caça nos pântanos, nas quais o morto está acompanhado pela mulher, vestida com sua melhor roupa, levando nas mãos símbolos de Hátor e usando uma pesada cabeleira. Cabeleiras pesadas, em especial quando associadas à nudez, eram sinais eróticos. Nas lendas a sedutora malvada é um tema comum. Numa delas, do Império Novo, a mulher malvada acusa, falsamente, o irmão do marido de tentar seduzi-la e afirma que ele lhe teria dito: Vem, vamos passar uma hora deitados. Pôe a tua cabeleira.Num período anterior, na VI dinastia (c. 2323 a 2150 a.C.), um túmulo mostra o falecido e a esposa sentados frente a frente numa cama e ela toca harpa para ele ouvir. Trata-se de uma cena que visava, em parte, proporcionar um ambiente erótico para o defunto no outro mundo. Com um sentido menos conjugal, uma fórmula mágica ou uma estatueta feminina colocadas na tumba podiam ter o mesmo objetivo. [ESCANEAR BAINES PAG. 205] Estatuetas de concubinas constituíam um ítem importante do equipamento funerário — esclarece Manniche. São bonecas feitas de madeira, faiança e, ocasionalmente, de ébano, às vezes sem pés, mas com as partes essenciais da anatomia feminina destacadas por pinturas ou tatuagens. Algumas encontram-se deitadas em uma cama. Através da magia elas se tornavam vivas no túmulo, excitavam e fortaleciam a virilidade do seu proprietário, davam-lhe prazer e, o que era ainda mais importante, asseguravam-lhe um renascimento milagroso no além. Da mesma forma que a união entre o macho e a fêmea era uma necessidade para a criação de um novo ser, também essa força erótica subjacente capacitava uma pessoa que havia participado desta vida a continuar existindo no além. A potência sexual da múmia tinha de ser mantida e estimulada. Embora isso seja sempre visto como pertinente à múmia do homem, nunca à da mulher. É em função desta crença, por exemplo, que uma fórmula mágica dos Textos dos Sarcófagos intitula-se A cópula de um homem na necrópole. Mas a despeito da crença, quando Osíris, no Livro dos Mortos, se queixa ao deus criador de que após o fim do mundo já não haverá prazer sexual, a divindade responde: Dei transfiguração em vez de água, ar e prazer e paz de espíritoNão parece que os egípcios se conformassem com isso.
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